O ensino sobre o funcionamento dos meios de comunicação no país e no mundo faz parte do currículo básico desde a pré-escola
The New York Times
Uma aula típica de Saara Martikka, professora em Hameenlinna, na Finlândia, é assim: ela apresenta matérias jornalísticas a seus alunos da oitava série. Juntos, debatem: qual é o objetivo do artigo? Como e quando foi escrito? Quais são as declarações centrais do autor? “Só porque é uma coisa boa, ou legal, não significa que seja verdade”, observou ela. Em uma das aulas, ela mostrou aos alunos três vídeos do TikTok, e discutiram as motivações dos criadores e o efeito que os vídeos tiveram sobre eles. Seu objetivo, como o dos professores em toda a Finlândia, é ajudar os alunos a aprender a identificar informações falsas.
Pesquisa realizada pelo Instituto Open Society em Sófia, na Bulgária, mostra que, pela quinta vez consecutiva, a Finlândia ficou em primeiro lugar entre 41 países europeus em matéria de resistência contra a desinformação. Segundo autoridades, o sucesso da Finlândia não é só o resultado de seu sistema educacional, que é um dos melhores do mundo, mas também é consequência de um esforço conjunto para ensinar os alunos sobre “fake news”. A alfabetização midiática faz parte do currículo básico nacional desde a pré-escola. “Não importa o que o professor ensine – educação física, matemática ou linguagem –, é preciso pensar: ‘Certo, como incluo esses elementos no meu trabalho com crianças e jovens?'”, afirmou Leo Pekkala, diretor do Instituto Nacional do Audiovisual da Finlândia, que supervisiona a educação midiática.
Depois da Finlândia, os países europeus com melhor classificação em resiliência à desinformação na pesquisa do Open Society foram a Noruega, a Dinamarca, a Estônia, a Irlanda e a Suécia.
Os países mais vulneráveis foram a Geórgia, a Macedônia do Norte, o Kosovo, a Bósnia e Herzegovina e a Albânia. Os resultados da pesquisa foram calculados com base nas pontuações para a liberdade de imprensa, para o nível de confiança existente na sociedade e para leitura, ciências e matemática.
Na Finlândia, 76 por cento da população considera os jornais impressos e digitais confiáveis, de acordo com uma pesquisa encomendada por um grupo comercial que representa jornais finlandeses. O país tem vantagens no combate à desinformação. Seu sistema de ensino público está entre os melhores do mundo. A universidade é gratuita. Há uma grande confiança no governo e os professores são altamente respeitados.
Embora os professores na Finlândia sejam obrigados a ensinar alfabetização midiática, eles têm liberdade para preparar as aulas. Martikka, a professora do ensino médio, disse que encarregou os alunos de editar os próprios vídeos e fotos para ver como é fácil manipular informações.
Os adolescentes de hoje cresceram com as mídias sociais, mas isso não significa que saibam identificar vídeos manipulados de políticos ou matérias no TikTok e se proteger deles. De fato, um estudo publicado no ano passado no “British Journal of Developmental Psychology” descobriu que a adolescência pode ser um momento de pico para a teoria da conspiração. Os autores do estudo escreveram que as mídias sociais podem ser um fator que contribui para isso, com sua influência sobre as crenças dos jovens sobre o mundo.
Ainda assim, o governo finlandês aponta que os estudantes estão no grupo mais fácil de alcançar. Agora, além dos programas para os jovens, está usando bibliotecas como centros para ensinar os idosos a identificar informações enganosas on-line, informou Pekkala.
Para professores de qualquer faixa etária, criar aulas eficazes pode ser um desafio. “É muito mais fácil falar sobre literatura, que estudamos há centenas de anos”, comentou Mari Uusitalo, professora do ensino fundamental e médio em Helsinque. Ela começa com o básico – ensinando os alunos sobre a diferença entre o que eles veem no Instagram e no TikTok e o que leem nos jornais finlandeses. “Eles realmente não podem entender notícias falsas ou desinformação ou qualquer coisa se não entenderem a relação entre mídia social e jornalismo.”
Durante os 16 anos de Uusitalo como professora, ela notou um claro declínio nas habilidades de compreensão de leitura, tendência que atribui aos alunos que passam menos tempo lendo livros e mais tempo jogando vídeos e assistindo a eles. Segundo ela, com habilidades de leitura mais pobres e menor capacidade de atenção, os alunos são mais vulneráveis às notícias falsas ou a não ter conhecimento suficiente sobre tópicos para identificar informações enganosas ou erradas.
Quando em meados do ano passado seus alunos estavam conversando sobre vídeos que mostravam a primeira-ministra da Finlândia, Sanna Marin, dançando e cantando em uma festa, Uusitalo moderou um debate sobre como as notícias podem se originar de vídeos que circulam nas mídias sociais. Alguns de seus alunos tinham acreditado que Marin estava usando drogas na festa, depois de assistir a vídeos no TikTok e no Twitter que sugeriam isso. Marin negou ter usado drogas, e um teste mais tarde deu negativo.
Uusitalo disse que seu objetivo é ensinar aos alunos métodos que podem ser usados para distinguir entre verdade e ficção. “Não posso fazer com que eles pensem como eu. Só tenho de dar a eles as ferramentas para que tenham opiniões próprias.”