A resposta está nos preconceitos e predisposições, que nos tornam vulneráveis a fake news
Por Richard Sima*,
Do Washington Post
Na era da pós-verdade, em que fatos objetivos têm menos influência para definir a opinião pública do que o apelo à emoção ou crenças pessoais, a desinformação e até teorias da conspiração encontram terreno fértil entre milhões de pessoas em todo o mundo.
Mas por que tantas pessoas acreditam nas mentiras? A culpa é do cérebro.
Como resultado, acaba ficando mais fácil à desinformação tornar-se aceitável, lembrada e posteriormente relembrada – mesmo depois de sabermos que era falsa.
Ninguém está completamente imune a falsidades, em parte pela maneira como nossa cognição é construída e como a desinformação a explora.
Usamos atalhos mentais, ou as chamadas “heurísticas”, para fazer muitos de nossos julgamentos mais rapidamente, o que nos ajuda porque economiza nosso tempo. Mas esses atalhos mentais e o raciocínio menos aprofundado podem permitir que nossas tendências cognitivas nos tornem mais suscetíveis à desinformação, se não tomarmos cuidado.
Ao mesmo tempo, quanto mais vemos algo repetido, maior a probabilidade de acreditarmos que é verdade. Esse “efeito de verdade ilusória” surge porque usamos a familiaridade e a facilidade de compreensão como um atalho para a verdade; quanto mais algo é repetido, mais familiar e fluente se sente, seja desinformação ou fato.
Os políticos muitas vezes repetem mentiras e fake news porque parecem estar cientes do poder do efeito da “verdade ilusória”, disse Nadia Brashier, professora de psicologia da Purdue University que estuda por que as pessoas caem em notícias falsas e desinformação.
Também somos mais suscetíveis à desinformação que se encaixa em nossas visões de mundo ou identidades sociais, e podemos cair no viés de confirmação, que é a tendência de procurar e favorecer informações que se encaixem no que já acreditamos.
Histórias falsas e exemplos motivados por emoções são mais fáceis de entender e mais imersivos do que fatos concretos ou demonstrações estatísticas. “Estamos convivendo neste novo mundo de números e probabilidades e fatores de risco”, disse Nathan Walter, professor de comunicação da Northwestern University, que estuda a correção de desinformação. “Mas o recipiente que usamos, nosso cérebro, é muito antigo”.
Uma vez que ouvimos desinformação, é difícil desenraizar, mesmo quando queremos saber a verdade. Vários estudos descobriram que a desinformação ainda pode influenciar nosso pensamento, mesmo que recebamos uma correção e acreditemos que seja verdade, um fenômeno conhecido como “efeito de influência contínua”.
Em uma meta-análise agregando os resultados de 32 estudos com mais de 6.500 pessoas, Walter descobriu que corrigir falsidades reduz, mas não elimina totalmente, o efeito da desinformação.
Uma das maiores barreiras para corrigir a desinformação é o fato de que ouvir a verdade não apaga uma falsidade da nossa memória. Em vez disso, a falsidade e sua correção coexistem e competem para serem lembradas.
Estudos de imagens cerebrais conduzidos por Lewandowsky e seus colegas encontraram evidências de que nossos cérebros armazenam tanto a parte original da desinformação quanto sua correção.
“Parece ser cognitivamente quase impossível ouvir algo, entendê-lo e, ao mesmo tempo, não acreditar”, disse Lewandowsky.
Dispensar a desinformação requer todo um passo cognitivo extra de marcá-la como falsa em nossa memória. “Mas a essa altura, de certa forma, é tarde demais, porque já está em sua memória”, disse Lewandowsky. Com o tempo, nossa memória da verificação de fatos pode desaparecer, deixando-nos apenas com a desinformação.
Finalmente, corrigir a desinformação — após percebê-la — é ainda mais desafiador se os conceitos que envolvem essa mesma desinformação estiverem incorporados em nossa identidade ou sistema de crença.
“As pessoas constroem modelos mentais para dar sentido às situações que se desenrolam e é muito difícil arrancar uma tábua deste edifício sem que tudo desmorone”, disse Lewandowsky.
“Se aquela “pseudo verdade” é um componente importante do seu modelo mental, é cognitivamente muito difícil simplesmente arrancá-lo e dizer que é falso.”
* Richard Sima é um neurocientista e premiado jornalista científico. Ele escreve a coluna “Brain Matters” para o jornal The Washington Post.