A anexação de territórios ocupados pode colocar ucranianos em lados opostos
O referendo nas regiões de Donetsk e Luhansk, no Leste da Ucrânia, e Kherson e Zaporizhzhia, no Sul, já tem a cena seguinte definida no script da guerra. O presidente Vladimir Putin, deve anunciar amanhã a anexação definitiva desses territórios à Rússia, como aconteceu com a Crimeia, após a invasão de 2014.
Esta anexação traz uma nova ameaça para a população local: a mobilização para a guerra. Há um forte temor de que todos os ucranianos residentes nesses territórios, em idade militar, sejam convocados para lutar pelo exército russo.
Relatos de moradores locais dão conta de que soldados russos estão indo de casa em casa em algumas aldeias para anotar os nomes dos moradores do sexo masculino com idade entre 18 e 35 anos. Nas visitas, os soldados deixam claro que todos devem estar preparados para uma convocação para a guerra a qualquer momento.
Por enquanto, homens na faixa etária de 18 a 35 anos não estão mais autorizados a deixar os territórios ocupados, por ordem do governo russo. Apesar de a Rússia contar com a adesão de uma parcela da população nas quatro localidades, que lutará espontaneamente ao lado do exército russo, outros não pensam da mesma maneira.
Iryna, moradora de uma cidade na região de Kherson, deixou o país com o marido e dois filhos no primeiro dia do referendo. “Quando Putin anunciou a convocação, e já sabíamos do referendo, ficou claro que haveria uma mobilização em massa e os homens seriam detidos na rua, independentemente da idade”, diz ela.
A ucraniana não tem dúvida de que esta foi a melhor decisão para não fazer parte da guerra. “Poderíamos sobreviver sem gás e eletricidade, poderíamos encontrar soluções para isso. Mas não para lugar contra os ucranianos. Essa foi a nossa linha vermelha”, conclui Iryna.
A convocação russa de ucranianos para lutarem na guerra trará novos desafios para a contraofensiva ucraniana. Entre as tropas ucranianas a convocação de nacionais de mesma origem para o exército russo é vista com preocupação porque há o sentimento de que isso só prolongará a guerra e causará a morte de mais pessoas.
“Não devemos subestimar nosso inimigo”, diz Stus, comandante de artilharia. “Esses novos soldados russos recrutados terão armas e granadas, então eles serão uma ameaça, que teremos que eliminar”.
A Rússia dá sinais de desespero para assegurar a incorporação de novos soldados para lutarem na guerra.
Para fazer frente ao êxodo de homens em idade militar, o governo de Vladimir Putin decidiu abrir um centro de alistamento do exército na fronteira com a Geórgia. Exatamente onde, nos últimos dias, centenas de homens (e suas famílias), que não desejam participar da guerra, formaram filas quilométricas para deixar a Rússia.
Todos aqueles que cruzam a Geórgia parecem exaustos, relatou um correspondente da BBC de Londres. “Eles estão famintos e privados de sono – mas aliviados por terem alcançado a segurança”, diz Rayhan Demytrie. O jornalista viu pessoas deixando a Rússia em grupos de caminhantes, arrastando malas, saindo de carro ou até de bicicleta para escapar do alistamento militar compulsório.
Um dos “desertores” anônimos, ao lado da filha, escancara o real motivo de estar deixando a Rússia. Ele afirmou que quer viver para ver a filha crescer e não morrer numa guerra sem sentido na Ucrânia.