Nicola Gratteri enfrenta o crime organizado e lidera o maior julgamento de integrantes da máfia
O promotor de justiça Nicola Gratteri, 62, é um dos principais alvos da máfia italiana, atualmente. E há uma razão para esse alto nível de exposição ao risco. Gratteri está na liderança do combate ao crime organizado. Colocou atrás das grades cerca de 500 mafiosos e, por isso, vive, todos os dias, sob ameaça constante.
Para evitar todo e qualquer tipo de risco, o promotor é cercado por um forte esquema de segurança. Em qualquer deslocamento, Gratteri sempre é acompanhado por uma escolta de cinco carros de polícia e um número não divulgado de agentes.
Em entrevista ao repórter Mark Lowen, da BBC News, Nicola Gratteri justificou o reforço na segurança. “Eu vivo com esse nível de segurança desde 1989, quando a casa da minha noiva foi baleada e alguém ligou para ela durante a noite para dizer que ela estava se casando com um homem morto”, disse o promotor.
Tanto cuidado se justifica. Em 1992, um atentado promovido pela máfia siciliana Cosa Nostra matou o promotor Giovanni Falcone. Uma bomba plantada sob uma rodovia perto de Palermo foi acionada quando Falcone e comitiva passavam pelo local. Além do promotor, morreram a mulher dele e três policiais. Dois meses depois, o colega de Falcone, o promotor Paolo Borsellino teve o mesmo fim, foi assassinado por um carro-bomba.
Gratteri é perseguido pela máfia mais poderosa da Itália, a ‘Ndrangheta, também conhecida como Famiglia Montalbano, Onorata società e Picciotteriaque.
A máfia italiana é formada por vários clãs familiares, ou ‘ndrine. Apesar de a Cosa Nostra da Sicília e a Camorra, na região de Nápoles, serem as mais conhecidas por causa dos bombardeios em massa que realizaram no passado, as duas perderam força nos últimos anos graças à repressão da polícia e do poder judiciário.
Com o enfraquecimento das duas facções, a ‘Ndrangheta despontou como a mais poderosa da Itália. O grupo tem ramificações em todo o mundo e, segundo a polícia, fatura cerca de US$ 60 bilhões por ano.
O principal negócio da organização criminosa é a cocaína. A ‘Ndrangheta domina o mercado global da droga. A maior parte da cocaína passa pelo porto de Gioia Tauro, o mais movimentado da Itália, no sul da Calábria.
Em 2019, sob a supervisão de Gratteri, uma operação internacional com a participação de agentes da Alemanha, Suíça e Bulgária prendeu 335 suspeitos, incluindo advogados, contadores e até um ex-deputado. Todos faziam parte ou estavam ligados à família Mancuso – um dos cerca de 150 clãs que integram a ‘Ndrangheta.
Dois anos depois a maioria dos criminosos foi levada ao banco dos réus no maior julgamento em 30 anos. Mais de mais de 330 acusados de pertencerem à máfia foram submetidos aos rigores da lei, dos quais 70 já foram condenados.
O fato de Gratteri estar vivo é a prova de que a Polícia e o Poder Judiciário estão lutando contra a ‘Ndrangheta, e que os mafiosos não são intocáveis.
O promotor que põe em risco a própria vida por causa do trabalho contra o crime não frequenta lugares públicos; nos últimos 25 anos nunca foi a um cinema ou restaurante; recebe o barbeiro em seu escritório para cortar o cabelo; e quase nunca vê a sua família afirma que todo esse sacrifício vale a pena.
“Vale a pena se você acredita nisso – e eu acredito. Acredito que estou fazendo algo importante. Existem milhares de pessoas que acreditam em mim e para quem sou o último recurso, a última esperança de mudança. Não posso decepcioná-los”, finalizou.