Impessoal, relacionamento não inclui apresentação para familiares, amigos e muito menos a inclusão na vida social do outro
O uso da tecnologia para conhecer pessoas e se relacionar amorosamente tem criado novas tendências de comportamento. Uma delas é o chamado “pocketing“. O termo é utilizado para designar um tipo de relacionamento amoroso em que as pessoas delimitam a aproximação em apenas uma esfera, a íntima. Ou seja, aquela pessoa não vai ser apresentada para familiares, amigos, não fará parte da vida social do outro. É como manter a relação guardada em um bolso, de onde vem o termo em inglês “pocket”.
Objetivamente é manter um relacionamento, mas sem compromisso. Os aplicativos favorecem o surgimento destes relacionamentos porque o primeiro contato com o outro já é feito de forma à distância, facilitando a exclusão de outras esferas da vida pessoal no dia a dia.
Para a psicóloga e doutora em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Gabriela Luxo, é ter um “compromisso, sem compromisso”, ou seja, “Não ter alguns compromissos que um relacionamento padrão exige, como os familiares, financeiros, dar atenção, ceder momentos, passeios em detrimento do outro e isto está muito relacionado à empatia. Quando eu me relaciono eu preciso ceder também à vontade do outro”, explica.
O designer Eder Xavier Souza, de 32 anos, utiliza aplicativos de relacionamento desde os 23 anos, após ouvir relatos de amigos. Ele afirma que, apesar de ter conhecido pessoas interessantes nas plataformas e até ter feitos amigos, nunca conseguiu construir uma relação amorosa profunda. “Grande parte dos encontros foram construídos através de uma lógica de interesse sexual, ou relações que não passaram do terceiro encontro”, conta.
Um relatório do instituto de pesquisas Statista mostrou que, em 2021, o mercado de aplicativos de namoro atingiu a marca de 8,2 bilhões de dólares. A maior parte é da Europa e o país onde as pessoas mais utilizam este tipo de tecnologia para se relacionar é a Suécia. O Brasil ficou em segundo lugar no ranking de maior número de pessoas que dizem utilizar estes aplicativos.
As plataformas tem conseguido cumprir seu papel de conectar pessoas, mas isto não significa que tenham alcançado o ponto de levá-las a desenvolver relacionamentos mais profundos. Para a doutora Gabriela Luxo é exatamente a falta de desafios que torna essas relações mais superficiais e frágeis, já que as pessoas se tornam mais centradas em si.
Além disso, o próprio aplicativo ao disponibilizar para o usuário um número exorbitante de pessoas e possibilidades, estimula este tipo de relacionamento. “Nos deparamos com um ‘cardápio’ de perfis o que acaba desumanizando as relações e tornando os critérios de escolha extremamente superficiais, algo como apenas avaliar a aparência física. Você cria a impressão de que ao deslizar para a esquerda sempre aparecerá alguém muito melhor do que o anterior, há uma espécie de ‘gameficação’ na construção das relações, “quantos matches eu consigo fazer, para eu inflar o meu ego?”, conta Eder.
Com esta tendência criada pelos aplicativos, Gabriela Luxo acredita que muitas pessoas passaram a utilizar os aplicativos já na busca de relacionamentos com os requisitos do “pocketing”. Estas pessoas, segundo ela, utilizam deste “menor contato” como forma de proteção: “eu não mostro, eu não me exponho, eu não sou julgado pela pessoa que estou então é uma forma da pessoa ter uma barreira emocional, no sentido de se proteger”.