Os relatos sobre atrocidades na guerra da Ucrânia cometidos por mercenários do grupo Wagner, organização paramilitar a serviço do governo de Vladimir Putin, trazem mais uma vez ao debate a questão da origem do mal.

Para alguns estudiosos, a crueldade e selvageria estão inscritas nos genes humanos, da mesma forma que a empatia e bondade. Dentro desse raciocínio, os humanos não optaram por terem esses dois lados. Nasceram com eles, mas podem escolher qual deles devem seguir.

A insanidade pode estar encravada nas profundezas da mente humana, muitas vezes um território do mal. Ao mesmo tempo, a mente pode abrigar a bondade transcendental que o ser humano pode alcançar.

Ralph Lewis, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Toronto, observa que pessoas que, intencionalmente, agridem ou matam outras, seja em crimes comuns ou nas guerras, não se veem como a encarnação do mal. Em geral, tentam minimizar ou justificar seus atos, diz Lewis, em artigo para a revista Psychology Today. Algumas das maiores atrocidades na história humana, lembra o professor, foram motivadas por ideias utópicas, associadas à irracionalidade ou a teorias da conspiração.

No livro “Evil: Inside Human Violence and Cruelty”, (“Mal: Por dentro da Violência e da Crueldade Humana”), Roy Beaumeister, pesquisador na área de Psicologia Social, com formação nas universidades de Princeton e Duke, analisou os fatores que levam as pessoas a praticarem crimes. Segundo ele, esses fatores, que atuam de maneira isolada ou em conjunto, podem ser resumidos assim:

• Intenção de ganhos materiais ou poder
• Egoísmo acentuado
• Idealismo irracional. Acreditar que finalidades nobres podem justificar meios violentos para se alcançar determinados objetivos
• Sadismo: cerca de 5% a 6% dos que praticam crimes desfrutam de algum tipo de satisfação

Por sua vez, o professor Ralph Lewis assinala que a maior parte dos crimes e atos de violência são praticados por indivíduos com traços de personalidade antissocial, incluindo os psicopatas. As pessoas que cometem tais atos, diz Lewis, tendem a acreditar que estão do lado certo ou tentam justificar de alguma maneira.

Lições não aprendidas

A guerra na Ucrânia é mais um dos horrores presenciados nos últimos tempos. As estimativas indicam que, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em Setembro de 2022, cerca de 100 mil soldados russos e 100 mil ucranianos morreram nos combates, além de 40 mil civis ucranianos. O cálculo é dos serviços de inteligência dos EUA. A guerra também já deixou 13 milhões de refugiados ucranianos que se espalharam pelo país e pela Europa Ocidental.

Num espaço de poucas décadas, diversos outros conflitos foram registrados em diferentes pontos do planeta:

• Em 2003, os EUA, Reino Unido e outros países ocidentais invadiram o Iraque, iniciando uma guerra que deixou cerca de 40 mil mortos. As tais “armas de destruição em massa” – alegação dos EUA para a invasão – nunca foram encontradas.
• Genocídio em Ruanda – em 1994, cerca de 800 mil pessoas foram massacradas em Ruanda, por extremistas hutus, que dizimaram a etnia tutsi.
• Genocídio em Darfur – Em 2003, cerca de 300 mil pessoas foram mortas nos conflitos entre grupos rivais que disputavam o poder na região oeste do Sudão.
• Camboja – Entre 1976 e 1979, o regime comunista liderado por Pol Pot dizimou cerca de 1,5 milhão de pessoas, nos chamados “killing fields”, os campos da morte. Ao ser julgado, Pol Pot declarou: “Não me arrependo de nada”.
• Vietnã – A guerra do Vietnã, travada ao longo de mais de duas décadas e encerrada em 1975, deixou cerca de 2 milhões de vietnamitas mortos, além de 58 mil norte-americanos.

Ainda no século passado, houve uma sequência de tiranos:

• Lenin – partiu dele a ordem para matar toda a família do czar Nicolau Romanov, incluindo a mulher e as cinco crianças.
• Stalin e seus 30 milhões de mortos.
• Mao Tsé-Tung, 40 milhões de mortos, a maioria durante a chamada Revolução Cultural.
• Hitler e os milhões de mortos da Segunda Guerra Mundial, incluindo os 6 milhões de judeus assassinados nos campos de concentração ou nos guetos da Polônia.

Esses são apenas alguns exemplos de que o animal dotado de mais inteligência é a espécie mais selvagem entre todos os seres vivos. Os demais matam quando se sentem ameaçados ou porque fazem parte de uma cadeia alimentar.

No outro extremo, figuras como Mahatma Gandhi, Madre Teresa, Martin Luther King, entre outros, demonstraram que os humanos não constituem uma espécie totalmente desperdiçada, embora tenham dificuldade em aprender com os erros do passado.

Protesto em Londres, em defesa dos ucranianos. (Foto de Andrea De Santis na Unsplash)