PERFIL

Clarice e Machado permanecem vivos, por trás das colunas de Oxford

Apaixonada pela literatura brasileira, professora britânica leva esse universo a seus alunos numa das universidades mais prestigiadas do mundo

Por: Júlia Castello
Da redação | 15 de outubro de 2022 - 21:55

Foi numa aula de literatura, na faculdade, que Claire Williams conheceu Clarice. Desde daquele momento amou sua escrita e nunca mais parou de ler suas obras. Apesar de ser inglesa, teve a oportunidade de aprender Português na Universidade de Durham, Nordeste da Inglaterra. O contato com uma língua tão diferente do Inglês despertou em Claire o interesse pelos autores brasileiros. Daí o doutorado sobre o tema “encontro” nas obras da autora brasileira. “Mas não sabia enfeitar a realidade. Para ela a realidade era demais para ser acreditada. Aliás a palavra ‘realidade’ não lhe dizia nada. Nem a mim, por Deus”, escreve Clarice Lispector no livro “A Hora da Estrela”. Foram frases como essa que estabeleceram uma conexão entre Claire e Clarice.

Claire leva a literatura brasileira para alunos em  Oxford. (Foto: Site Oxford)

Após essa descoberta, Claire passou a ler cada vez mais literatura brasileira. Chegou a morar três anos em Portugal e  visitou o Brasil. Seus escritores brasileiros favoritos são os que queriam desafiar autoridades ou o status quo, como Machado de Assis, Graciliano Ramos, Lygia Fagundes Telles. Mais recentemente, também passou a conhecer as obras de Paulo Scott, Conceição Evaristo, Luiz Ruffato, Adriana Lisboa e Micheliny Verunschk. Confessa que tem um apreço especial pelas autoras mulheres.

Trajetória em Oxford 

Em 2009, Claire começou a lecionar literatura brasileira na Universidade de Oxford. Uma das mais antigas e respeitadas no mundo, a Universidade incluiu o Português entre os cursos de língua estrangeira desde os anos 1940. Quase trinta anos depois, foi criado o Departamento de Espanhol e Português e, em 1990, os departamentos se tornaram independentes. O Departamento de “Estudos Portugueses” de Oxford é o único em todo o Reino Unido. Em outras universidades e instituições de ensino do país, o Português e culturas lusófonas fazem parte de um departamento de estudos hispânicos, ou são estudados em escolas de línguas e culturas modernas.

Seus quinze a vinte alunos por turma chegam muitas vezes sem saber quase nada da literatura brasileira. Alguns ouviram falar de Machado de Assis ou de Paulo Coelho. Sua primeira indicação aos alunos é o livro “The Oxford Anthology of the Brazilian Short Story”, que dá um panorama da literatura do país. O curso de graduação tem duração de quatro anos, o mestrado dois e o doutorado três anos. Desde do primeiro ano, os alunos são apresentados a autores do mundo lusófono, como textos de Clarice, Lídia Jorge, Ariano Suassuna, João Cabral de Melo Neto e Gil Vicente, por exemplo. Eles ainda podem optar por fazer cursos de Literatura Brasileira Moderna, que se considera literatura publicada desde 1880, além de Literatura Brasileira Contemporânea do século XXI e Cinema Brasileiro.

Capa do último livro lançado por Claire, que fala sobre Lispector. (Foto:mhra.org.uk)

O poder da literatura 

Claire conta que o que lhe dá felicidade imensa, que ousaria dizer que lhe causa epifanias, como Clarice, é ver como seus alunos crescem ao longo do curso. A maioria é de britânicos e eles chegam sabendo falar apenas uma ou outra palavra em Português. No final do curso saem falando fluentemente a língua. A maioria é de origem inglesa, de todos os cantos do país, mas Claire já teve alunos franceses, alemães, de Singapura, Indonésia e Hong Kong. Hoje, cada vez mais, tem alunos de herança lusófona, como descendentes de famílias brasileiras, portuguesas e guineenses.

Claire gosta de mostrar a literatura brasileira aos seus alunos como um desafio. Ela os provoca para que pensem nos personagens, identidades, contextos tão diferentes do que a literatura inglesa e de seus países de origem apresentam. Clarice lhe faz questionar as angústias da existência humana. Machado de Assis, com seu tom irônico e sarcástico, levanta críticas sociais e desafia a todos com o mistério de Capitu.

Ela também chama a atenção dos alunos para o fato de que a literatura pode transportar o indivíduo para um outro mundo, com pessoas e culturas bem  diferentes das suas. “Muitos ficam impressionados com a obra “Eles eram muitos cavalos” de Luiz Ruffato, e “Ponciá Vicêncio” de Conceição Evaristo. Acham Machado hilariante, e se apaixonam por Clarice. O que mais me satisfaz como professora é quando um aluno diz: “Nunca li nada igual!”.

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