Em 2009, avião que fazia o trajeto entre Rio de Janeiro e Paris mergulhou no oceano
Após 13 anos de batalhas legais, as famílias das vítimas da queda do voo da 447, da Air France, que matou 228 pessoas, em 2009, finalmente poderão contar com uma decisão da justiça. A acusação está concentrada em dois pontos: o congelamento de sensores externos chamados tubos de pitot e um erro do piloto. Será uma disputa difícil, uma vez que o governo francês é acionista das duas empresas envolvidas no acidente.
As gigantes Airbus e Air France são acusadas de homicídio culposo em julgamento que começa esta semana e deve durar até dezembro. O pior acidente de avião na história da empresa aérea francesa matou pessoas de mais de 30 nacionalidades, incluindo 59 brasileiros, e teve um impacto longo na indústria da aviação levando a várias mudanças nos regulamentos de segurança aérea, no treinamento de pilotos e no uso de sensores de velocidade do ar.
As empresas insistem que não são criminalmente responsáveis e a Air France já indenizou as famílias que concordaram em não divulgar os valores.
“Prometemos aos nossos entes queridos que teríamos a verdade para eles e garantir que eles não morressem por nada”, disse Ophelie Toulliou, cujo irmão de 27 anos, Nicolas, foi morto, à Associated Press. “Mas também estamos lutando pela segurança coletiva, de fato, para todos aqueles que embarcam em um Airbus todos os dias, ou Air France, todos os dias.” E continua: “Para eles, não somos nada. Eles não perderam 228 pessoas. Eles perderam um avião.”
As famílias estão revoltadas. Ninguém corre o risco de prisão neste caso; apenas as empresas estão em julgamento. As multas em cada um dos processos podem chegar a 225 mil euros (mais de 1 milhão de reais).
No dia 1 de junho de 2009, o Airbus A330-200 desapareceu dos radares sobre o Oceano Atlântico entre Brasil e Senegal com 216 passageiros e 12 tripulantes a bordo. Os primeiros detritos só foram vistos no mar após cinco dias. Somente dois anos depois é que o avião e a caixa preta foram localizados no fundo do oceano, em uma profundidade de 13 mil pés (quase 4 mil metros).
A agência francesa de investigação de acidentes aéreos, BEA, descobriu que o acidente envolveu uma série de eventos em cascata, sem uma causa única.
Quando uma tempestade atingiu o avião, cristais de gelo presentes em grandes altitudes desativaram os tubos de pitot, bloqueando as informações de velocidade e altitude, desligando o piloto automático. Essa situação levou o piloto e o copiloto a assumirem o controle manual da aeronave, mas com todos os dados errados de navegação. A partir daí, o avião entrou em um estol aerodinâmico (perda de sustentação), com o nariz inclinado para cima. Depois disso, a aeronave mergulhou no oceano.
Os pilotos ”não entenderam o que estava acontecendo com eles. Uma dificuldade de interpretação, em uma aeronave totalmente digital como todas as aeronaves do mundo hoje”, disse Gerard Feldzer, ex-piloto e treinador de pilotos da Air France.
Ele disse que ele e pilotos de todo o mundo se perguntaram depois “se fosse eu, eu teria agido da mesma maneira? Tem sido uma pergunta muito difícil de responder.”
A Airbus é acusada de saber que o modelo de tubos de pitot do voo 447 estava com defeito e não ter feito o suficiente para informar com urgência as companhias aéreas e suas tripulações para reduzir ou eliminar o risco de acidente. Uma investigação na época descobriu que a Airbus sabia desde 2002 sobre problemas com pitots, mas não conseguiu substituí-los até depois do acidente. O modelo em questão – um pitot Thales AA – foi posteriormente banido e substituído.
“Eles sabiam e não fizeram nada”, disse Danièle Lamy, presidente de uma associação de famílias de vítimas que pressionou por um julgamento. “Os pilotos nunca deveriam ter se encontrado em tal situação, eles nunca entenderam a causa do colapso e o avião ficou impossível de pilotar.”
Lamy perdeu seu filho Eric alguns dias antes de seu aniversário de 38 anos. Ela tem lutado desde então para descobrir a verdade.