PERFIL

A verdadeira Mulher-Maravilha

Arquiteta, professora, sobrevivente do Holocausto, ela é nadadora aos 98 anos

Por: Júlia Castello
Da redação | 12 de agosto de 2022 - 22:05

Aos 98 anos, Nora Rónai faltou de propósito em uma das provas do Campeonato Pan-Americano de Natação Masters para conhecer a cidade de Medelín, na Colômbia. Ela conta o episódio com um sorriso. “Era uma prova de 50 metros e eu não tinha adversário, era eu, sozinha. Se eu não me afogasse no percurso, teria ganho com certeza”, brinca.

O campeonato na Colômbia foi apenas um entre tantos que Nora coleciona em sua longa e inspiradora história de vida. Além, claro, de todas as medalhas e recordes conquistados ao longo do tempo. Na verdade, ela não sabe exatamente quantas medalhas tem. Ao ser questionada sobre isso, ri e se desculpa: “Eu realmente não sei”. Com orgulho, contudo, conta que quebrou o próprio recorde. Não é comum atletas da categoria “Master” superarem as próprias marcas, já que a idade obviamente tende a reduzir a velocidade nos esportes físicos.

Nora com a campeã de natação Maria Lenk

Frequentadora do Clube de Regatas Guanabara, no Rio de Janeiro, ela nada todos os dias, menos nos fins de semana, quando tem muitos banhistas, e na segunda-feira, que é dia de limpeza da piscina. Conhece todo mundo. Desde as senhoras da hidroginástica, as crianças, aos funcionários do lugar. Laura, sua filha, conta que Nora convive com pessoas de diferentes idades e que todas gostam de conversar com ela.

A presença do esporte durante a vida

Ultimamente não tem nadado. A água da piscina anda muito gelada, o que às vezes causa hipotermia em Nora. Quando não nada, vai a uma academia perto de sua casa e faz esteira, para manter a forma. Questionada sobre alimentação, ela diz que não tem uma dieta de atleta, come de tudo. A filha Laura concorda, que é de tudo um pouco, mas que gosta muito de legumes, uma alimentação saudável. Infelizmente, o Clube de Regatas Guanabara não tem recursos para aquecer a água da piscina. “Hoje, só os clubes de futebol têm dinheiro”, desabafa.

Futebol, em si, ela nunca praticou. Mas Nora, além da natação, é intima de vários esportes. Tornou-se esportista ainda novinha, na cidade de Fiume, Itália. Hoje a cidade é chamada de Rijeka e faz parte da Croácia. Ali praticava esportes de inverno, como patinação no gelo.

A luta pela sobrevivência

Ao vir para o Brasil, começou exercitar-se na esgrima, até que viu um homem fazendo saltos ornamentais e ficou interessada. Este homem era Eduardo Guidão da Cruz, seu primeiro treinador. Nora virou profissional na modalidade, tendo participado de competições e ganho muitas medalhas. A natação, como algo para além do simples prazer, começou apenas aos 69 anos. Seu marido estava muito doente e nadar a ajudava a baixar o stress e lidar com tudo que estava vivendo.

Nora com Eduardo Guidão da Cruz, seu primeiro treinador

Nora passou por muita coisa na vida. Apesar de alguns obstáculos tem hoje uma leveza indescritível. Ao conversar com Nora é possível perceber sua vontade de viver. A busca pela felicidade aos quase cem anos é o que a mantém assim. “Por muito tempo, eu não pude ser feliz”, conta Nora ao relembrar alguma das histórias de sua adolescência.

Mais ou menos com 15 anos, viu seu pai e irmão serem presos pelo governo Mussolini. Com a perseguição nazista aos judeus desde o início da guerra, e depois na Itália, a família buscava uma forma de fugir da Europa. O pai e o irmão só sobreviveram graças a um pedido da mãe que conseguiu falar com um ministro do governo conhecido da família.

Aos 17 anos, Nora e sua família pegaram um avião até Barcelona, de lá a Lisboa, até chegarem de navio ao Rio de Janeiro. Vieram com pouco dinheiro, suficiente apenas para ficar alguns dias numa pousada bem simples. Nora teve de refazer o último ano do ensino médio, pois o Brasil não reconheceu seus estudos em Fiume. Logo após concluir o ensino básico, decidiu fazer o ensino superior. Com apenas mais três mulheres na turma, Nora formou-se em arquitetura. Tornou-se professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro, quando as mulheres mal frequentavam a academia.

Grande parte da sua história, da saída da Itália até o Brasil, do medo, da perseguição, de um recomeço está nos seus livros de memória. Ela começou a escrever a história para as netas. “Tem coisas que passamos, que não devemos esquecer nunca”, diz. A ideia do livro veio da filha Laura que viu nos escritos da mãe mais um talento que deveria ser compartilhado.

Nora com a família. (Foto: Leo Aversa)

Em muitas entrevistas, tanto Laura como Cora, chamam a mãe de “mulher-maravilha”. “Por que é o que ela realmente é”, diz Laura. “Uma das cem mulheres mais admiráveis do mundo”, segundo a BBC. Uma das brasileiras “mais empoderadas”, segundo a campanha do Shopping Rio Design. “Uma das maiores campeãs do mundo”, segundo a Associação Brasileira de Masters de Natação.

Amor de mãe, avó e bisa

“Mas para nós, da família, nunca teve nada desse negócio de ‘uma das’. Ela sempre foi ‘a’ mais incrível, ‘a’ mais poderosa, ‘a’ mais extraordinária. Eu sei que todo filho acha isso da própria mãe, mas, no caso da Cora e meu, nós temos razão”, conta Laura.

Questionada sobre o segredo de ser a mulher-maravilha das filhas e de tantas outras pessoas que a admiram, Nora ri. Conta que isso talvez tenha a ver com a sua incansável busca pela felicidade no presente. Mas talvez nunca saberemos. Super-heroínas, nunca revelam seus segredos.

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