O espião se identificava como Victor Muller Ferreira mas, na verdade, era um agente infiltrado que repassava informações para o serviço secreto russo
The Washington Post
Por dois anos, Sergey Cherkasov, um espião russo infiltrado, usou a identidade falsa de um brasileiro, Victor Muller Ferreira, para permanecer nos Estados Unidos estudando em uma das mais importantes universidades americanas, a Johns Hopkins.
Cherkasov ingressou nos Estados Unidos em 2018, com passaporte brasileiro falsificado, após ser aprovado para cursar uma pós-graduação em Relações Internacionais. Sergey Cherkasov se identificava como um brasileiro de ascendência irlandesa, uma forma de justificar o sotaque carregado, mas na verdade, ele era um agente do serviço secreto russo, nascido em Kaliningrado, de acordo com investigações da CIA, FBI, e das Polícias da Holanda e do Brasil.
Cherkasov passou quase dez anos construindo a persona fictícia do brasileiro Victor Ferreira. A missão do agente infiltrado era usar o Brasil como plataforma para chegar aos Estados Unidos e repassar informações ao serviço de inteligência militar da Rússia, o GRU.
Durante seus dois anos em Washington, Cherkasov apresentou relatórios a seus chefes sobre como altos funcionários do governo Biden estavam respondendo ao reforço militar russo antes da guerra na Ucrânia, de acordo com uma declaração do FBI.
Depois de terminar o mestrado e obter o diploma da Johns Hoppkins, o espião retornou ao Brasil, durante a pandemia de Covid-19, em setembro de 2020, poucos meses antes de seu visto de estudante expirar. Em março de 2022, ele foi chamado para um estágio não remunerado no Tribunal Penal Internacional, em Haia.
O chamado do TPI, na verdade, era uma armadilha e foi o fim da linha para o espião russo. As autoridades holandesas já tinham sido informadas pelo FBI sobre as atividades criminosas de Cherkasov, que foi preso ainda no aeroporto de Amsterdã. Depois de ser interrogado, autoridades holandesas o colocaram num avião com destino ao Brasil, onde foi preso por falsificação de documentos.
Em 2009, um cartório brasileiro (que está sob investigação) expediu uma certidão de nascimento falsa em nome de Victor Muller Ferreria, filho de Juraci Eliza Ferreira, que morreu em 1993, mas que, segundo a família, nunca foi mãe. Depois, com a certidão de nascimento falsa, o espião tirou RG, carteira de motorista e o passaporte brasileiro, documentação que utilizou para realizar a tarefa de espionagem nos EUA.
A Rússia nega que Cherkasov seja um espião e pediu sua extradição alegando que ele é um agente secreto, mas um traficante de heroína que fugiu da Rússia para evitar a prisão. O pedido foi deferido pelo STF, mas a extradição foi suspensa até que a Polícia Federal brasileira conclua uma segunda investigação sobre as atividades de espionagem do homem a serviço do Kremlin.
O caso Cherkasov tem sido uma fonte de constrangimento para as autoridades brasileiras sobre a fragilidade do sistema de identificação e registro de pessoas. Não é a primeira vez que serviços de inteligência russos usam o Brasil como base de lançamento para espionagem em outros países. No ano passado, outro suposto agente secreto russo, que também apresentava uma identidade brasileira falsa, foi preso na Noruega.