The New York Times

Mais uma vez Roma vive a crise do lixo. Dela se aproveitam javalis, gaivotas famintas e ratos, que se reúnem para fazer a festa nas montanhas de detritos. No início do verão, uma série de focos suspeitos em aterros e ferros-velhos – incêndios de lixeira, literalmente – escureceu o céu, emporcalhou o ar e aumentou as suspeitas de atividade do crime organizado. O forte cheiro da sujeira na capital não poderia ficar pior. Uma disputa sobre a construção de um novo incinerador provocou um motim político que derrubou o governo de união nacional do primeiro-ministro Mario Draghi, em julho.

No dia da revolta, o prefeito Roberto Gualtieri parecia perplexo com o problema do lixo, causando um verdadeiro colapso no governo federal. “Formalmente, fui o responsável pela queda”. O caso alavancou a construção de uma usina de tratamento de resíduos de aproximadamente 600 milhões de euros na cidade e ele espera ter sucesso onde tantos outros fracassaram. “Não é nada complicado, é lixo”, resumiu.

Roberto Gualtieri explica os motivos para a crise do lixo que assola Roma. Crédito: New York Times.

“De fato, o município terá de contratar cerca de 650 pessoas até o fim do ano para limpar as ruas, e fazer uma verificação cuidadosa em um verdadeiro exército de preguiçosos. Começamos com milhares de verificações surpresa sobre a situação dos empregados que vivem à base de atestado médico e alegam só poder fazer serviço interno. Engraçado que muitos sararam rapidinho. Um verdadeiro milagre”, comenta Gualtieri a propósito do grande número de funcionários afastados.

Desde o fechamento do aterro Malagrotta, considerado um dos maiores da Europa e um desastre ambiental, em 2013, o problema já soterrou dois prefeitos, incluindo a antecessora de Gualtieri – Virginia Raggi, do Movimento Cinco Estrelas, partido que iniciou à rebelião responsável por derrubar o governo federal. A promotoria confiscou o aterro, pertencente a um empresário conhecido como o “Rei do Lixo”.

A Prefeitura de Roma hoje tem de pagar caro para enviá-lo a outras usinas – além de consumir recursos, contribui para a poluição e possivelmente favorece os interesses dos elementos do submundo que se beneficiam da paralisia sanitária local. Mas, embora os promotores continuem a investigar os incêndios, o maior desafio na limpeza de Roma talvez seja a própria metrópole.

“A população não tem senso de responsabilidade em relação ao lixo produzido. Sempre acharam a coisa pública não lhe pertence. Esquece que, justamente por ser pública, é de responsabilidade de todos. Por outro lado, a cidade está uma bagunça, com mato alto e lixo por toda parte. Parece uma selva: só faltam as jiboias porque, de resto, tem de tudo”, afirmou Paola Ficco, advogada ambiental especialista em legislação do lixo.

Gualtieri, romano, admitiu que os moradores locais têm características peculiares. “O pessoal tende a ter um comportamento não muito adequado quando se trata de descartar o lixo.” Para começar, os restaurantes enchem as lixeiras reservadas para o público – simplesmente equilibra os sacos sobre elas, como em um jogo de Jenga insalubre, ou os joga ao redor, formando verdadeiros arquipélagos de entulho atraindo todo tipo de fauna.

Mas o prefeito acredita que, mesmo enquanto a usina queimada permanecer desativada, o novo incinerador, cuja construção deve começar em 2023, e a introdução de multas mais pesadas para uma série de infrações criarão um contexto mais civilizado. “Os romanos vão se conscientizar e se dispor a fazer sua parte, dando o melhor de si, e não o pior.”