Nas ruas de Caracas e outras cidades houve mais de 150 protestos nos últimos dias
A Assembleia Nacional da Venezuela aprovou, em primeira votação, um projeto de lei que aperta o controle do governo sobre as organizações sem fins lucrativos que atuam no país em defesa dos direitos humanos e também em ações sociais, como a distribuição de ajuda internacional. Como o legislativo é totalmente controlado pelo governo do presidente Nicolás Maduro, o projeto, apresentado pelo número dois do chavismo, Diosdado Cabello, deve passar também na segunda votação.
Calcula-se que cerca de 400 entidades sem fins lucrativos devem sofrer os efeitos da nova legislação. Entre outros setores, elas atuam, em sua maioria, na distribuição de alimentos e outros tipos de ajuda fornecida por agências humanitárias da ONU, na tentativa de amenizar a grave crise alimentar e de saúde enfrentada por boa parte da população venezuelana. Essa crise já levou mais de 7 milhões de venezuelanos a deixarem o país, a maioria para os países vizinhos, incluindo o Brasil. O projeto em discussão na Assembleia deve permitir ao governo uma fiscalização dos recursos recebidos do Exterior, a fim de identificar a procedência e o destino das doações. Representantes das organizações temem que possa haver interferência governamental nesse trabalho.
Há anos, o governo de Maduro vem movendo uma perseguição contra as ONGs, fato que já resultou na prisão de dezenas de seus representantes. Uma das organizações mais visadas é a Provea (Venezuela Program Education-Action on Human Rights), que defende vítimas de execuções extrajudiciais, de desaparecimentos e torturas, além de outras violações.
Em Julho de 2021, o diretor da Fundaredes, Javier Tarazona, foi preso sob a acusação de “incitar ao ódio, terrorismo e traição à pátria”. Tarazona, que continua na prisão, havia divulgado um relatório denunciando diversos casos de violações dos direitos humanos no país.
“O que vem por aí é uma grande perseguição contra as ONGs”, alertou Laura Louza, diretora da “Acesso à Justiça”, organização que trabalha com temas relacionados aos direitos humanos e também presta assessoria a outras organizações sem fins lucrativos.
Diante do quadro atual, ainda não se sabe se será mantido o acordo, assinado em Outubro, que prevê o descongelamento de US$3 bilhões em contas do governo venezuelano no Exterior. Desse total, cerca de um bilhão de dólares estão congelados nos Estados Unidos e, dificilmente, serão liberados pelo governo norte-americano nesse contexto de repressão.
Pelo acordo assinado com a mediação do México, a ONU deveria distribuir esse dinheiro aos setores de saúde e educação, a fim de atender parte da população mais necessitada.
Denúncia da ONU
Relatório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (UNHCHR) confirma as denúncias de perseguição contra dissidentes do regime de Nicolás Maduro. E alerta para o uso do próprio sistema judiciário, controlado pelo governo, para violação dos direitos. O documento aponta o uso de torturas e prisões ilegais contra políticos e integrantes de organizações não governamentais, além do desaparecimento de pessoas. “Quando os presos ousam denunciar as torturas a que foram submetidos, eles são devolvidos pelos próprios juízes à custódia daqueles responsáveis pelas agressões”, assinala o relatório.
Protestos contra o governo
Em menos de uma semana, mais de 150 protestos foram realizados em Caracas e outras cidades venezuelanas. Os manifestantes denunciam os baixos salários, corroídos pela hiperinflação. O país alcançou a inflação mais alta do mundo, com uma taxa anual acumulada de 686,4%, em 2021, segundo dados do Banco Central Venezuelano. Depois disso, o governo mudou o sistema de cálculo e passou a anunciar índices em torno de 7%.
A mudança no cálculo não resolve a situação dos trabalhadores que veem seus salários serem rapidamente desvalorizados pela depreciação da moeda. O salário médio de um professor gira em torno de 500 bolívares, cerca de 25 dólares, ou menos de 300 reais. Esse valor mal cobre os custos do transporte para ir ao trabalho.
(Bloomberg e Washington Post)