O abandono pela família, o frio e a fome foram apenas alguns obstáculos que ela teve de enfrentar
Desde os primeiros passos na infância, o destino lhe reservou tantos obstáculos que ela poderia ter sido condenada à mesma situação dos milhares de jovens e crianças que povoam os sinais de trânsito, nas cidades do País. Mas, mesmo sem ter participado de uma Olimpíada, Julia pode ser considerada detentora de uma medalha na luta pela sobrevivência.
O abandono pela mãe, aos 4 anos, que a deixava exposta ao frio e à fome, a ponto de chamar a atenção dos vizinhos, foi o primeiro choque com a realidade que iria persegui-la pela infância e adolescência. Mais tarde, foi a convivência com o pai, dependente químico. Ele provou o primeiro cigarro de maconha aos 11, oferecido pelo próprio pai dele. Depois disso, não parou mais, até cair no crack e morar na rua.
Quando ainda viviam sob o mesmo teto, com os avós, em Paraisópolis, o pai pegava tudo que tinha em casa, até os alimentos, para trocar por drogas. E um dia levou até o casaco que ela mais gostava.
Em Paraisópolis, foram tempos de fome e desespero. Muitas vezes o que tinha para comer era alface, que a avó conseguia comprar. Seu pai, naquele período, começou a ficar mais ausente. As vezes passava dias sem voltar para casa. Ele tentava esconder dos pais, seus avós, mas Julia sabia que ele estava usando drogas. A avó tinha que abrir todo tipo de produto comprado no mesmo dia em que conseguia fazer compras, porque se não, o pai pegava e vendia. Julia se lembra que ela cortava o sabonete no meio para ele não vender.
Desta vez ela mesmo alugou um quartinho e começou a trabalhar para pagar o aluguel. Trabalhava em um mercado e, tempos depois, conseguiu um emprego melhor em uma loja de maquiagem. Foi ali, naquela loja, que uma de suas clientes, Raquel, a chamou para uma oportunidade. Raquel trabalhava na ONG G10 Favelas e eles estavam precisando de pessoas para ajudar na distribuição de cestas básicas.
No segundo dia de trabalho ela foi convidada para ficar e trabalhar lá. Pela primeira vez Julia tinha achado algo que fazia muito sentido para ela: um lugar onde pudesse ajudar outras pessoas. A ação não era apenas em Paraisópolis, mas em 16 estados.
No dia 9 de agosto de 2021, o diretor da agência Cria Brasil, que atendia a G10 Favelas, a chamou para trabalhar lá. Tudo começou com as fotos que tirava. Pediram para ela tirar fotos de algumas das ações da G10. Uma delas, de uma enchente em Paraisópolis, foi parar na revista Veja São Paulo.
Este novo emprego era para trabalhar com as mídias sociais. Julia não fazia ideia do que era, mas aceitou. Antes de começar lá, fez várias pesquisas e leu várias coisas sobre o assunto. Queria pelo menos chegar com algum conhecimento. Começou a administrar as redes de algumas empresas, até que atualmente, no ano de 2022, Julia administra 11 contas, inclusive a da G10 Favelas.
Além das fotos, Julia gosta de ler e escrever. Conheceu o “Jornal Espaço do Povo” que era feito para a comunidade de Paraisópolis, por meio da agência. Começou a contribuir. O jornal era um espaço que sentia também que estava ajudando as pessoas. Foi ali que decidiu que queria ser jornalista.
Hoje, ao 18 anos, Julia trabalha na Cria Brasil e está no último ano do ensino médio. Quer prestar vestibular para Jornalismo e ser a primeira da família a se formar. Entre seus planos, espera ajudar e dar oportunidade a outros jovens como ela. Oportunidades como aquelas que não teve quando precisou. E outras que a levaram até onde chegou.