Dezenas de navios, carregados de gás, fazem filas em portos da Europa e Ásia
The New York Times
As luzes de várias cidades na Europa estão sendo mantidas acesas graças a navios gigantes que, partindo de portos da Louisiana e do Texas, nos Estados Unidos, transportam gás natural, refrigerado e liquefeito (GNL). Os europeus costumavam ser um cliente inconstante deste combustível, preferindo depender dos gasodutos, muitas vezes mais baratos, da Rússia, da Noruega e do Norte da África. O GNL seguia principalmente para países asiáticos dispostos a pagar mais, como a China, o Japão e a Coreia do Sul.
Tudo isso mudou ao longo dos últimos 12 meses. A Europa, respondendo aos cortes de gás natural da Rússia e tentando abastecer as instalações de armazenamento para superar o frio do inverno, está disposta a pagar mais para superar outros compradores. “No momento, não podemos ficar sem o GNL”, disse Augustin Prate, vice-presidente de energia e commodities da Kayrros, empresa de pesquisa com sede em Paris.
O preço de um carregamento de GNL, que poderia ter sido vendido por 20 milhões de dólares (104 milhões de reais) há dois anos, subiu para cerca de 200 milhões de dólares (1,041 bilhão de reais) no começo deste ano, e agora é cerca de metade disso. Hoje, cerca de 40 navios com gás refrigerado, valendo bilhões de reais, estão na fila de espera na costa da Europa e na da Ásia.
Os maiores navios armazenam gás suficiente para aquecer uma pequena cidade de 70 mil casas durante um ano. O desfile desses navios de GNL em direção à Europa aumentou mais de 50 por cento em relação ao ano passado, compensando os cortes da Rússia. A maior parte desse aumento do tráfego veio dos Estados Unidos, que por causa do gás de xisto se tornou um dos principais exportadores globais de gás refrigerado, além do Catar e da Austrália. “O GNL americano se tornou uma base para a segurança energética europeia”, afirmou Daniel Yergin, historiador de energia.
Depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, a Europa rapidamente passou do que a indústria chama de “o mercado de último recurso” para “o mercado de maior necessidade”, segundo Anatol Feygin, vice-presidente executivo e diretor comercial da Cheniere Energy, grande fornecedora americana de GNL.
Este ano, os embarques dos EUA para a Europa mais do que dobraram, de acordo com a Kayrros. As cargas do Catar aumentaram cerca de 20 por cento. A Rússia, que continua a enviar GNL para a Europa, apesar de fechar a torneira dos gasodutos, aumentou suas exportações em torno de dez por cento. Embora os embarques para a Ásia tenham caído cerca de nove por cento este ano, o continente continua a ser o principal destino do combustível.
Com a oferta global crescendo apenas cerca de 5% este ano, o apetite da Europa por GNL está provavelmente elevando os preços em todo o mundo, tornando-o inacessível para muitos países mais pobres.
A compra e a venda de GNL continuam a ser um negócio discreto. As referências de preços, especialmente na Europa, são menos estabelecidas do que padrões como o petróleo Brent no comércio de petróleo. Ainda assim, claramente se ganhou muito dinheiro nos últimos meses. Parte dos lucros decorre do fato de muitas das empresas que transportam carga dos Estados Unidos terem comprado seu combustível com base nos preços locais, que agora representam cerca de um quinto do preço em relação a Europa, explicou Ciaran Roe, diretor global de GNL da S&P Global Commodity Insights, empresa de serviços financeiros, acrescentando que o gás natural americano é muitas vezes mais barato do que na Europa por uma variedade de razões, incluindo a abundante produção doméstica. Depois que os custos de processamento e transporte forem adicionados, é provável que os fornecedores ainda obtenham lucros muito altos.
Este é um momento de expansão para os maiores atores do GNL. Trata-se principalmente de grandes empresas de energia com poder de fogo para investir no custo multibilionário da construção de instalações de liquefação (o gás deve ser resfriado a -160 graus Celsius para se transformar em líquido) e terminais de recebimento, bem como para financiar os altos custos atuais da compra de cargas.A empresa ocidental com o maior portfólio de GNL no ano passado foi a Shell, enquanto a TotalEnergies, a Cheniere e a Exxon Mobil também são grandes forças. Durante os primeiros nove meses deste ano, o negócio de gás da Shell, que inclui o GNL, faturou 10,1 bilhões de dólares (52,56 bilhões de reais), o dobro do lucro do mesmo período de 2021.