GUERRA
Olga Skabeyeva, apresentadora da TV estatal russa (Foto: Twitter)

Rússia libera mídia estatal para divulgar derrotas na Ucrânia

Flexibilização é uma tentativa para conter a desconfiança da opinião pública com o desempenho das forças russas na guerra

Da redação | 7 de outubro de 2022 - 12:43
Olga Skabeyeva, apresentadora da TV estatal russa (Foto: Twitter)
Da Bloomberg News,
Com Mário Augusto, de São Paulo

Com suas tropas perdendo terreno e sofrendo derrotas quase diariamente, o governo russo resolveu mudar a estratégia de propaganda da guerra na Ucrânia. Agora, os meios de comunicação estatais foram liberados para noticiar detalhes sobre o desempenho da Rússia e até admitir algumas falhas na invasão da Ucrânia pelo presidente Vladimir Putin.

A medida foi tomada depois que o governo russo percebeu que a propaganda implacavelmente otimista da guerra, que até aqui só noticiou feitos positivos das tropas de Putin, estava alimentando crescentes dúvidas junto à opinião pública. Em uma palavra: descrédito. Pesquisas mostraram que os relatos diários de triunfos no front estavam minando a confiança do público.

Depois de meses relatando praticamente nada além de sucessos no campo de batalha, a TV estatal ultimamente tem noticiado as retiradas e derrotas russas — sem o habitual giro positivo do Ministério da Defesa.

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“Temos que parar de mentir”, disse Andrey Kartapolov, um ex-general que agora chefia o Comitê de Defesa na câmara baixa do Parlamento russo, em um popular programa de entrevistas online nesta semana. “Nosso povo não é estúpido”, destacou.

Mas a flexibilização é limitada. Não há sinal de que o Kremlin deixará a mídia (estritamente controlada) ir muito longe. Continua proibido fazer qualquer questionamento sobre a decisão do presidente Vladimir Putin de invadir a Ucrânia.

Conscientes de que há poucas chances de retardar a contra-ofensiva da Ucrânia em um futuro próximo, as autoridades russas esperam que a aparência de menos controle sobre a mídia possa fortalecer o apoio público à guerra.

Onde a Rússia quer chegar?

A estratégia é simples. Ao reconhecer na mídia os fracassos da Rússia na guerra, o governo quer obter os elementos necessários para justificar mais investimento no conflito e justificar ataques indiscriminados a cidades e infraestrutura ucranianas, disse Tatiana Stanovaya, fundadora do grupo de pesquisa R. Politik.

“Há um grande debate entre a classe dominante sobre como vencer esta guerra, agora que o exército mostrou que não é capaz”, analisa Stanovaya. “Há uma caça aos responsáveis ​​e esforços para que Putin procure outras soluções”, destaca.

À medida que a contra-ofensiva ucraniana empurrou as linhas russas ainda mais para trás – retomando terras que Putin apenas alegara ter anexado – a TV estatal abandonou a linha oficial de que as retiradas eram movimentos estratégicos cuidadosamente planejados.

Grupo Wagner, mercenários para tapar buraco na guerra (Foto: Serviço de Segurança da Ucrânia)

“Ontem perdemos 16 assentamentos na região de Kherson. O que perderemos hoje?” A apresentadora Olga Skabeyeva questionou um comandante da ocupação em seu programa no horário nobre em 5 de outubro. “Estamos manobrando com elementos de uma retirada” foi tudo o que ele conseguiu murmurar em resposta.

Mercenários para compensar falta de soldados

Problemas de abastecimento, moral baixo das tropas no campo de batalha e inúmeras acusações de crimes de guerra praticados pelas forças russas geram uma onda de resistência para o recrutamento de reservistas para a guerra. Não à toa, milhares de homens russos em idade militar fugiram do país para não servirem na guerra.

Essa dificuldade é um ingrediente adicional para que Vladimir Putin e seus aliados recorram à contratação de mercenários, como o Grupo Wagner, uma organização paramilitar de origem russa que atua em várias regiões do mundo, principalmente no leste da Ucrânia (Donbass).

Estima-se que, pelo menos, 5.000 homens do grupo Wagner estejam operando com forças russas na guerra da Ucrânia. Um mercenário pode ganhar até US$ 5 mil por mês. E há pagamento de bônus, em dólares, quando os mercenários eliminam tanques ou unidades ucranianas.

Reportagem da CNN Internacional mostrou que o Grupo Wagner ostenta equipamentos modernos, como armas pesadas e até helicópteros, se assemelhando às Forças Especiais dos EUA.

“Estou convencido de que se a Rússia não usasse grupos mercenários em uma escala tão grande, não haveria dúvida do sucesso que o exército russo alcançou até agora”, afirmou Marat Gabidullin – um ex-comandante Wagner que já foi encarregado de 95 mercenários na Síria.

Os depoimentos reunidos na reportagem da TV norte-americana reforçam a suspeita de que que os mercenários do grupo Wagner estão sendo usados largamente para tapar buracos na linha de frente russa.

Contratação em massa

Mas as perdas crescentes de mercenários no campo de batalha levou o Grupo Wagner a iniciar um amplo e inusitado programa de recrutamento público para reposição de soldados na guerra da Ucrânia.

Grupo Wagner. Soldado armado com fuzil de assalto se prepara para a batalha. (Foto: Geopol 21)

Outdoors espalhados na Rússia pedem novos recrutas para a organização. Os anúncios também se espalham pelas redes sociais. O recrutador exige que os interessados apresentem boas condições médicas, não sejam portadores de doenças graves, como câncer e hepatite C, e não abusem de substâncias entorpecentes. Agora, o mais impressionante para uma organização paramilitar de elite: não é necessária nenhuma experiência militar.

Há relatos de que a organização estaria recrutando mercenários até mesmo em prisões russas em troca de clemência por seis meses de serviços de combate na guerra.

Autoridades ucranianas temem que o “recrutamento negligente” promovido pela Rússia e seus aliados gere uma escalada de crimes de guerra, porque os novos soldados não dispõem do mínimo treinamento para as operações no campo de batalha, inclusive desconhecem o direito do inimigo de sobreviver, em caso de rendição.

Olga Skabeyeva, apresentadora da TV estatal russa (Foto: Twitter)

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