Emissora sempre acompanhou todos os grandes momentos da história desde o século passado
Era o dia 14 de Novembro de 1922. Às 18h, hora de Londres, o jornalista Arthur Burrows leu o primeiro boletim noticioso da BBC – British Broadcasting Corporation, inaugurando um serviço que iria ganhar prestígio mundial como fonte segura de informações, além de gigante da mídia global. Em 24 de Dezembro daquele mesmo ano, Burrows, que também era ator, interpretou o papel principal em “The Truth About Father Christmas”, a primeira peça teatral transmitida por uma emissora de rádio. Mais tarde, Burrows ficaria conhecido como “Uncle Arthur”, por sua participação na peça infantil “Uncles”.
Ao longo de 100 anos, primeiro no rádio e depois na televisão, a BBC iria ampliar sua presença em todo o mundo, com equipes de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas. Em todos os grandes momentos da história desde o século passado, como guerras, revoluções, ascensão e queda de governos, além de acontecimentos artísticos e esportivos, a emissora sempre esteve presente, levando informações não apenas para o público do Reino Unido, mas também para todo o planeta.
Nos últimos tempos, diante das crises econômicas que se sucedem e o aumento de custos, o governo britânico tem sido pressionado para reduzir as verbas destinadas à emissora. A principal fonte de renda da BBC é a contribuição do público que faz uma assinatura ao comprar um aparelho de TV. Daí o fato de que a empresa é vista pela população como um patrimônio do Reino Unido. No entanto, como as taxas não cobrem os custos, o governo sempre complementa a diferença.
Com taxa de assinatura congelada por 2 anos, emissora já demitiu mil funcionários e investe em novas mídias para sobreviver. Agora, às vésperas de completar 100 anos, há quem aposte num amplo corte orçamentário que poderia comprometer o futuro da emissora.
“A BBC somos nós. É uma expressão do nosso senso de humor, interesses ou valores. Ela nos pertence”, afirma Jean Seaton, professor de história da mídia na Universidade de Westminster, em Londres, e historiador oficial da BBC.
“Apesar dos ataques deste governo, continua sendo uma expressão nossa, ao contrário da Netflix, que é uma expressão do mundo”, comparou o historiador.
Além da grande audiência no Reino Unido, a BBC ganhou espaço em outros mercados, produzindo e exportando séries como “Peaky Blinders”, “Fleabag” ou “Killing Eve”.
Mantendo a missão original de “informar, educar e entreter” a emissora inglesa transmite em 41 idiomas e atinge uma audiência semanal de 492 milhões de telespectadores nos quatro cantos do mundo.
Durante a votação do Brexit – que determinou a saída da Grã-Bretanha da União Europeia – o governo acusou a BBC de fazer uma cobertura parcial e favorável àqueles que queriam permanecer no bloco. Em janeiro deste ano, ainda no governo de Boris Johnson, a emissora foi duramente atingida por uma decisão que congelou por dois anos a taxa de financiamento paga por todos os lares que possuem televisores. Cada família que tem um aparelho de televisão instalado em casa paga uma taxa anual de 159 libras esterlinas, o equivalente a 941 reais.
Mesmo com as investidas do governo contra o seu modelo de financiamento – que é tão antigo quanto a própria emissora – a BBC busca alternativas. Recentemente anunciou um programa de redução de custos da ordem de £ 500 milhões por ano (R$ 2,9 bilhões), o que incluiu a demissão de mil funcionários de um total de 22 mil colaboradores.
A crise financeira é determinada, em parte, por uma mudança no perfil do público. A BBC vem sofrendo com o êxodo do público mais jovem para plataformas de streaming e sob demanda. Com a possibilidade de escolher novos meios de informação, os novos consumidores de notícias questionam por que ainda deveriam pagar pela BBC.
Por isso, o apresentador do “Today” Nick Robinson, ex-editor político da BBC, afirma que é vital para a emissora continuar provando o seu valor para a sociedade.
Nos últimos tempos, a BBC incorporou novos formatos de sucesso, como o investimento na produção de vídeos nas principais notícias e questões, que combinam análise, verificação de fatos e contexto vital, garante o jornalista Ros Atkins. Os vídeos são transmitidos na televisão, no site da BBC e nas redes sociais, onde muitas vezes registram milhões de visualizações em todo o mundo.
Atkins destaca que, embora a BBC ainda tenha milhões de pessoas que consomem jornalismo pelo site, TV e rádio, milhões de outros consumidores acessam os conteúdos produzidos pela emissora no Twitter, Instagram e TikTok, onde a BBC também está presente.
“Vimos números muito grandes nesses vídeos. Eles provam que esse tipo de jornalismo tem audiência”, garante o jornalista que trabalha na BBC há 21 anos.
Atkins e outros funcionários estão cientes das dificuldades que virão pela frente e que vai impactar a vida de toda a corporação. “Mas se você me perguntar como me sinto sobre a experiência de ser jornalista na BBC, ainda sinto que estou entrando na melhor organização de notícias do mundo”, diz o jornalista.