PERFIL

O Papa é pop e não vai renunciar, assegura biógrafo argentino

O jornalista Sergio Rubin, maior autoridade em informações sobre Jorge Bergoglio, conta como seu amigo virou Papa

Por: Ismael Pfeifer
Da redação | 14 de setembro de 2022 - 14:50

Sergio Rubin tornou-se mundialmente conhecido em 13 de março de 2013. Ganhou notoriedade inesperada ao lado do cardeal Jorge Mario Bergoglio. Naquele dia, de maneira surpreendente, a Igreja Católica escolheu pela primeira vez um papa americano. Falava-se, antes, que os favoritos a novo pontífice seriam um italiano, um norte-americano ou, mesmo, um brasileiro. Mas foi o discreto argentino Bergoglio que se transformou no Papa Francisco.

O jornalista Rubin, com mais de 40 anos de profissão, a maior parte deles cobrindo assuntos religiosos para emissoras de rádio, revistas e pelo diário Clarín, de Buenos Aires, passou imediatamente a ser procurado pelos principais jornais e redes de TV internacionais para que desvendasse quem, afinal, era aquele novo líder supremo da Igreja.

Sergio Rubin e Bergoglio, já como Papa: 30 anos de convivência (Foto: arquivo pessoal)

Sergio Rubin e Bergoglio, já como Papa: 30 anos de convivência (Foto: arquivo pessoal)

Isso se deu graças a sua dedicação de décadas a um tipo de cobertura que pouco interessava à maior parte de seus colegas jornalistas. Rubin esteve desde o final dos 70 enfiado em igrejas, cúrias e eventos religiosos em busca de notícias sobre a fé, as virtudes e máculas de padres, bispos e arcebispos de seu país e do mundo.

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Fiel a essa rotina, ocupou por inúmeras vezes as manchetes do mais importante jornal argentino, já que, na Argentina, muito mais do que no Brasil, a Igreja sempre interferiu e exerceu influência nos destinos da política e dos políticos do país.

Naquele 13 de março, nove anos e meio atrás, Sergio estava em mais uma de suas coberturas no Vaticano, justamente na Praça de São Pedro, esperando junto a uma multidão que a fumaça branca anunciasse o sucessor de Bento XVI. E assustou-se incrédulo quando viu uma cabecinha careca familiar apontar na sacada da Santa Sé como o novo número 1 do catolicismo. De forma surpreendente, naquele instante, o novo Papa passara a ser um amigo seu.

Dois anos antes, Sergio havia publicado, em parceria com Francesca Ambrogetti, outra jornalista experiente em cobertura religiosa, o livro El Jesuíta – conversas com o cardeal Jorge Bergoglio, biografia despretensiosa sobre o reservado cardeal arcebispo de Buenos Aires. A obra de relevância local havia sido construída, porém, com esmero e dedicação, a partir de dois anos de entrevistas gravadas na casa do clérigo.

O livro sobre a vida de Bergoglio: capa vermelha no lançamento em 2010 e em 2013, quando tornou-se Papa (foto: captura da web)

Ao ser lançado, em 2010, o livro trazia, além de detalhes da vida daquele homem da Igreja, relatados por ele mesmo, a interessante novidade — revelada pela mídia italiana — de que o cardeal argentino havia sido o segundo mais votado na assembleia que elegera Bento XVI em 2005.

O livro tornou-se, assim, a única biografia do novo Papa e disparou em vendas em todo o mundo, vendeu pelo menos 200 mil exemplares na Argentina e foi publicado em 22 países, inclusive no Brasil. E elevou Rubin à condição de maior autoridade sobre informações daquele homem austero e discreto, torcedor do San Lorenzo, que se transformou no primeiro papa não europeu da Igreja Católica em mais de 1.300 anos.

Nesta entrevista exclusiva ao Planeta Cultura, Sergio Rubin, conta detalhes de sua saga de mais de 40 anos na cobertura religiosa, curiosidades sobre sua relação com Bergoglio desde os anos 90 e opina sobre os rumores de que o Papa estaria doente e perto de renunciar, às vésperas de completar 10 anos no comando do catolicismo.

Planeta CulturaO Papa Francisco está doente? E você acredita que ele pode renunciar?

Sergio Rubin – Na verdade ele tem um problema no joelho, que afeta a sua mobilidade, mas ele mentalmente está muito bem. Seu problema são apenas os ligamentos, que pressionam os ossos do joelho. É uma situação que, hoje, segundo me explicaram os médicos dele, se resolveria com uma cirurgia. Acontece que Francisco está evitando se submeter à anestesia, porque no ano passado, quando o operaram dos divertículos no cólon, uma cirurgia longa, ele passou muito mal por causa especificamente da anestesia.

Ele demorou muito para recuperar-se e por isso optou pela fisioterapia para tentar resolver o problema do joelho. É um tratamento muito mais lento. Ele ainda sente dores no joelho e, por isso, em cerimônias longas e nos traslados ele é visto em cadeira de rodas.

Mas, insisto, ele não tem nenhum problema grave de saúde. E por isso, de nenhuma maneira eu vejo que, por motivos de saúde, ele esteja em vias de renunciar.

E a igreja não se governa com os pés, mas com a cabeça. E, como a cabeça dele vai bem, eu acredito que vamos continuar a ter Francisco no comando da Igreja Católica ainda por algum tempo.

Planeta Cultura – Quando você conheceu Bergoglio, já que ele não trabalhou sempre em Buenos Aires?

Rubin – Em junho deste ano fez 30 anos que eu o conheci. Ele esteve em Córdoba por algum tempo. E em meados de 1992 voltou, após ser nomeado bispo auxiliar de Buenos Aires. Eu me lembro bem, porque estávamos gravando com o cardeal Quarraccino (então, arcebispo de Buenos Aires) quando o vi, distante, muito magro e tímido.

Desde então, passei a consultá-lo como fonte sobre assuntos da Igreja. Até que, quando já era arcebispo titular de Buenos Aires, surgiu a ideia, junto com uma amiga jornalista, a Francesca Ambrogetti, de escrever um livro sobre a vida dele. Fizemos o convite em 2001, mas ele não quis. Voltamos a convidá-lo em 2007 e aí começamos a entrevistá-lo mensalmente durante dois anos. E o livro em que ele relata a própria vida foi lançado em 2010.

Planeta Cultura – Ao que parece, um fator que acabou pesando nesse segundo convite é que veio à tona a história de que Bergoglio havia sido o segundo mais votado na eleição de Bento XVI.

Rubin – Exatamente. Naquele momento foi agregado o atrativo de que Bergoglio, segundo informações que foram divulgadas pela mídia italiana, tempos depois da eleição de Bento XVI, havia estado muito próximo de ser eleito Papa. Mas nós já havíamos proposto a ideia do livro a ele 6 anos antes.

Planeta Cultura –  E vocês falavam com ele com que frequência?

Rubin – Uma vez ao mês. E quero contar uma história curiosa, que ocorreu ao final desses dois anos de entrevistas. Bergoglio era e é um homem muito austero e, durante as gravações, nunca nos servia nada, nem um chá. Ficávamos de mais de uma hora, uma hora e meia gravando e nada. E quando terminamos o livro, depois de mais de dois, ele nos convidou para almoçar, também na casa dele. E aí, eu a a Francesca comentamos maldosamente que, antes de ir para o almoço, deveríamos comer um sanduiche, porque ele era tão ‘pão duro’ que talvez acabássemos passando fome! (risos) Mas aí fomos para almoçar e ele nos surpreendeu com um almoço fantástico, que ele mesmo nos serviu, com entrada, prato principal e sobremesa! Foi uma celebração por ter completado um trabalho tão árduo.

Rubin em ação, na TV argentina: comentários sobre assuntos religiosos na TV -- sociedade e a política sob a mesma batina (Foto: arquivo pessoal)

Rubin em ação, na TV argentina: comentários sobre assuntos religiosos — sociedade e a política sob a mesma batina (Foto: arquivo pessoal)

Planeta Cultura – E o que mais impressionou vocês nesse período em que vocês estiveram com ele?

Rubin – Foi sua humanidade. É um homem de uma sensibilidade humana enorme. Ele não perdia detalhes, se algum de nós havia ficado doente, se alguém fazia aniversário. E percebemos isso não apenas com nós mesmos, mas com todo mundo. E tem uma história que assistimos que mostra bem esse traço tão humano. Bergoglio era sempre muito pontual para as entrevistas, não se atrasava nunca. Mas, um dia, ele demorava a nos atender. E em determinado momento o vimos passar com uma bandeja na mão, com café, uns lanches. Achamos estranho. Mas aí vimos que ele estava recepcionando uma família, pai, mãe e filhos, gente pobre que tinha vindo do norte da Argentina para pedir ajuda a ele. E que ele fez questão de atender e alimentá-los pessoalmente.

E, mesmo como Papa, não modificou essa atitude de proximidade com as pessoas, a preocupação com o outro. Por isso, quando perguntam a mim e a Francesca sobre a principal característica dele, respondemos sempre rapidamente que é seu sentido de humanidade.

Planeta Cultura — Você estava em Roma no dia da eleição de Bergoglio. Como foi a surpresa ao vê-lo surgir já como Papa?

Rubin – Ele tinha já 75 para 76 anos. Como todos sabem, aos 75 anos os bispos devem levar sua renúncia ao Papa. Então, ele estava mais “de saída”, como dizemos aqui na Argentina, estava se aposentando. Então, para mim, parecia que o tempo dele já havia passado.

Mas tive uma reunião dias antes do Conclave com um alto funcionário do Vaticano por quase uma hora para uma matéria que sairia no Clarín no domingo, sobre os candidatos a papa. E quando já me despedia, depois de uma hora de conversa, esse funcionário me pergunta: “Não vai pôr o cardeal Bergoglio como candidato no seu artigo? Confesso que fiquei até incomodado com a pergunta, porque, pensei: o homem já está quase se aposentando, porque ele me diz isso?

Bem, saí da reunião, aí comecei a refletir, não podia ser tão soberbo. Tratava-se de um funcionário importante do Vaticano. Então resolvi citar as chances de Bergoglio, mas numa segunda matéria, menor, não na principal. Falei apenas que pessoas no Vaticano voltavam a falar que Bergoglio, apesar da idade, era um dos candidatos.

Além disso, na véspera do conclave, a apresentadora do Canal 13 (também do Grupo Clarín) me perguntou ao vivo se Bergoglio tinha alguma chance. E eu, estava lá em Roma, meio atribulado e surpreso com a pergunta e respondi que sim, que ele tinha chances. Aí terminou a transmissão e pensei: acho que falei demais, como torcedor, como “argentino”, que nos vemos mais do que somos (risos), e, como escrevi a biografia dele, acabei inflando as possibilidades. No dia seguinte, eu estava de novo na Praça de São Pedro, aparece o novo Papa e era Jorge Bergoglio.

Planeta Cultura – Hoje, no Brasil, vivemos em um ambiente de polarização política, entre grupos de extrema direita e de esquerda. E há críticas sobretudo da direita de que o Papa Francisco é um homem de esquerda. Como você vê isso?

Rubin – Eu acredito que para um líder religioso essas etiquetas de direita e esquerda não servem. Eu vejo que o Papa, em muitos aspectos – como em temas como do sacerdócio feminino, o celibato sacerdotal, que continuam vigentes – como um conservador. Agora, em matéria social ele tem uma grande preocupação com a pobreza. Aliás, ele não alterou nada da doutrina social da Igreja, segue a linha de João Paulo II na direção de uma economia social de mercado.

Teve gestos de aproximação, por exemplo, na América Latina, com os chamados movimentos populares. E talvez, por isso, o viram como alguém com tendências de esquerda. Mas, para mim, não me parece que sejam categorias adequadas. É sim um papa com uma grande preocupação social e não faz mais do que seguir o Evangelho, que em resumo é a preocupação de Jesus pelos pobres. E esse não é um tema secundário neste momento, é assunto de primeira linha. E ele segue essa linha histórica dos postulados sociais da Igreja. Não saiu da área de atuação natural de um Papa.

Eu creio que vivemos sim, não só no Brasil ou Argentina, tempos de forte polarização. As redes sociais potencializam esse desentendimento entre as pessoas, a serviço de posições extremas. Por exemplo, dizem que o Papa não fala da Ucrânia. E o Papa falou mais de 70 vezes condenando a Guerra na Ucrânia. Ele não tem simpatia por Putin, como alguns dizem. Ele segue a linha histórica da Igreja, de não culpar um dos lados, mas de propor uma solução. Ele pediu várias vezes que se interrompa a guerra, para que não morra mais gente. Essa é a chave do pensamento dele.

O mesmo no caso da Nicarágua (onde igrejas foram fechadas e padres impedidos de realizar cultos), que o criticam. Lá ele está em perfeita sintonia com o arcebispo de Managua, em busca de solução, não de jogar mais lenha na fogueira.

Planeta Cultura – Você foi convidado a cumprimentar Bergoglio já como papa naquela fila de saudações iniciais. Agora, como Papa — sei que você ainda conversa por telefone e já esteve pessoalmente com ele — Bergoglio continua a mesma pessoa simples de quando estava em Buenos Aires? 

Rubin – Quando fui convidado naquele primeiro momento, para cumprimentá-lo, fiquei muito ansioso. Eu já havia coberto muitos eventos com os papas anteriores, e os via ali, como seres distantes. E agora iria saudar pessoalmente um Papa que eu já conhecia como arcebispo. Aí pensei: o que digo, o que faço, quando estiver diante dele? E,  quando chegou a minha vez na fila, ele abriu os braços para me abraçar, me disse, “hola Sergio” com a mesma naturalidade de Buenos Aires. E mantém essa simplicidade, esse jeito, como Papa. E isso é maravilhoso. Não apenas na abertura e nos gestos, também na conversa. Ele continua muito claro, muito direto.

Uma vez eu lhe perguntei: como o senhor faz para, sendo agora Papa, não se sentir o maior dos maiores, “tan creído”, como dizemos aqui na Argentina. E ele me disse com simplicidade: ah, eu vou morrer como todo mundo! (risos)

Planeta Cultura – E sobre os sapatos que ele usa? Lembro uma vez que você disse que, nas vezes que encontrou-se com ele, em Roma, ele usava o mesmo dos tempos das entrevistas.

Rubin – Sim, ele diz que precisa usar sapatos ortopédicos por problemas nas plantas dos pés. Mas essa me parece uma excelente desculpa para manter seus calçados tradicionais e não ter que vestir aqueles sapatos vermelhos, que os papas tradicionalmente usavam, e que para ele seria impensável. Ele não gosta de pompa.

Planeta Cultura – Seu livro sobre a vida de Bergoglio, que vendeu muito pouco nos dois primeiros anos, tornou-se best-seller mundial quando ele foi eleito Papa. Mas ele se limita à vida do sacerdote até 2010. Você tem a intenção de lançar outro livro, agora contando os dez anos de papado de Francisco?

Rubin – Essa possibilidade sempre existe. No ano que vem ele completa 10 anos como papa. E Francesca e eu temos muita informação sobre esse período. Mas partir para um novo livro seria algo muito desafiador, porque desde que se tornou papa muito se contou e se escreveu sobre ele. E apresentar novidades para os leitores não será uma missão simples.

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