MEIO AMBIENTE
Madeira cortada em reserva, na Europa (Andreea Campeanu/The New York Times)

Europa em crise destrói florestas para produzir energia

Uso de madeira para termelétricas no lugar da energia solar e eólica está desmatando florestas centenárias

Da redação | 6 de outubro de 2022 - 21:58
Madeira cortada em reserva, na Europa (Andreea Campeanu/The New York Times)

The New York Times 

Em toda a Europa, de Leste a Oeste, as empresas estão derrubando florestas e muitas vezes triturando árvores centenárias com o objetivo de produzir energia. E o mais chocante de tudo isso é que isso se faz de forma legal. Na verdade, há subsídios governamentais destinados a ajudar a União Europeia (UE) a atingir suas metas de energia renovável. Só que queimar madeira pode ser pior que queimar carvão.

A equipe de reportagem do “The New York Times” seguiu seis caminhões até uma fábrica e viu como toras vindas de uma das áreas de conservação mais importantes do continente foram transformadas em serragem.

A madeira nunca deveria ser a base da estratégia de energia da UE. Quando o bloco começou a subsidiar sua queima há mais de uma década, isso era visto como um rápido impulso para o combustível renovável e um incentivo para afastar casas e usinas do carvão e do gás.

Caminhão carregado de árvores chegando a Ameco, uma das maiores empresas de produção de pellets da Romênia. (Andreea Campeanu/The New York Times)

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Lascas e pellets (combustível de biomassa feito a partir do beneficiamento de madeira natural seca) eram comercializados como uma forma de transformar resíduos de serragem em energia verde. Esses subsídios deram origem a um mercado em expansão, a tal ponto que a madeira é agora a maior fonte de energia renovável da Europa, muito à frente da eólica e da solar.

Mas, hoje, à medida que a demanda aumenta em meio à crise provocada pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia, árvores inteiras estão sendo derrubadas para gerar energia. E há provas crescentes de que a aposta da Europa na madeira para enfrentar as mudanças climáticas não valeu a pena.

Florestas na Finlândia e na Estônia, por exemplo, antes vistas como ativos importantes para a redução do carbono do ar, são agora fonte de tanta exploração madeireira que os cientistas do governo as consideram emissoras de carbono. Na Hungria, o governo renunciou às regras de conservação no mês passado para permitir o aumento da exploração madeireira em florestas antigas.

Energia nada limpa

As nações europeias podem incluir a energia da madeira em seus alvos de energia limpa, mas a agência de pesquisa científica da UE divulgou no ano passado que sua queima liberou mais dióxido de carbono do que teria sido emitido se essa energia viesse de combustíveis fósseis.

“As pessoas compram pellets de madeira pensando que são uma escolha sustentável, mas, na realidade, estão impulsionando a destruição das últimas florestas selvagens da Europa”, disse David Gehl, da Agência de Investigação Ambiental, grupo de defesa com sede em Washington que estuda o uso da madeira na Europa Central.

Essa indústria cresceu tanto que os pesquisadores não dão conta de acompanhá-la. A pesquisa oficial da UE não conseguiu identificar a fonte de 120 milhões de toneladas métricas de madeira usadas em todo o continente no ano passado – mais que o tamanho de toda a indústria madeireira da Finlândia. Os pesquisadores afirmam que a maior parte disso foi queimada para aquecimento e eletricidade.

O Parlamento Europeu deve votar um projeto de lei este mês para eliminar a maioria dos subsídios da indústria e proibir os países de queimar árvores inteiras para cumprir suas metas de energia limpa. Só a energia proveniente de resíduos, como a serragem, se qualificaria como renovável e, portanto, seria elegível para subsídios.

Mas, segundo vários governos europeus, agora não é hora de se intrometer na indústria energética, dado o corte de suprimentos de gás e petróleo russos. Na República Tcheca, manifestantes tomaram as ruas, furiosos com o aumento dos custos de energia, e as autoridades francesas alertaram para apagões contínuos neste inverno. A madeira se qualifica como energia renovável, com base na lógica de que as árvores acabam crescendo de novo.

Especialistas da Agência de Investigação Ambiental, em parceria com uma rede de conservacionistas florestais, passaram quase um ano caminhando por algumas das florestas mais antigas do continente fixando dispositivos de rastreamento das árvores. Registraram dados de localização de caminhões do governo e rastrearam árvores desde os parques naturais e as áreas de conservação até as usinas de madeira.

Descobriram que derrubar as últimas florestas selvagens da Europa para fazer pellets se tornou uma prática generalizada na Europa Central. O “Times” complementou os dados do grupo com registros disponíveis publicamente. Um repórter e um fotógrafo passaram quatro dias caminhando pelas florestas da Romênia, que representam dois terços das florestas virgens da UE. Lá, documentaram o corte e seguiram caminhões que saíam de florestas ecologicamente sensíveis.

Embora a exploração madeireira não seja proibida nas florestas protegidas da Europa, os governos são obrigados a efetuar avaliações ambientais para garantir que a terra esteja sendo conservada. Mas, de acordo com especialistas, essas avaliações são raras.

Hoje, depois de uma caminhada de 670 metros até a montanha Ceahlau, na Romênia, uma trilha de tocos de árvores é visível em uma das últimas florestas antigas da Europa, onde antes havia árvores de 200 anos. Mais abaixo na montanha, troncos iam sendo carregados em um caminhão com o símbolo da Ameco, uma das maiores produtoras de pellets da Romênia. No rótulo do produto, consta que é feito com material que provém exclusivamente de serragem e lascas de madeira.

Os jornalistas do “Times” viram árvores das florestas protegidas da Romênia sendo trituradas na Ameco. A empresa também declara que seu produto não emite gases de efeito estufa quando queimado.

Em um e-mail, um gerente de vendas da Ameco negou que a empresa tenha derrubado florestas ecologicamente sensíveis. Quando o “Times” respondeu que os repórteres haviam testemunhado seis carregamentos de caminhões provenientes desses locais, e que os dados de envio da própria Ameco mostraram mais centenas, um segundo representante da empresa respondeu, reconhecendo os carregamentos, mas garantindo que todos eram legais.

Os proprietários florestais, estaduais ou privados, devem substituir árvores cortadas por novas no prazo de dois anos para ajudar a equilibrar o ciclo do carbono. Mas grupos ambientalistas têm mostrado que isso nem sempre é feito. Os jornalistas do “Times” viram grandes faixas de terra que haviam sido desmatadas há anos, nas quais nenhum replantio foi feito.

Madeira cortada em reserva, na Europa (Andreea Campeanu/The New York Times)

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