Herdeira alemã não quer desfrutar da fortuna que espera repassar em benefício da sociedade
The New York Times
Quando sua avó milionária morreu no mês passado, Marlene Engelhorn já sabia que não pretendia desfrutar de toda a fortuna que estava herdando: 4,2 bilhões de euros, mais de 21 bilhões de reais. Ela espera que parte desse dinheiro vá para os cofres do Estado, em forma de impostos, especialmente, o Imposto de Renda. A familia Engelhorn fez fortuna na área da indústria química e farmacêutica na Alemanha, desde o século dezenove.
“O cenário dos sonhos é que eu seja tributada”, disse Engelhorn, de 30 anos, fundadora de um movimento chamado: Tax Me Now (Me taxe agora). O mascote do grupo é um elefante, representando um animal robusto que pode dividir a sua força com os demais.
Há mais de um ano, Engelhorn faz campanha por políticas fiscais que redistribuam seus milhões – e os de qualquer outra pessoa. “Sou o produto de uma sociedade desigual. Porque, do contrário, eu não poderia nascer com milhões. Eu só nasceria. Nada mais”, declarou Engelhorn em um evento do grupo Millionaires for Humanity, em Amsterdã, no qual os ativistas pediam a tributação da riqueza.
Sua família já fez doações de grandes volumes. Seus avós gastaram uma parte de sua fortuna apoiando jovens cientistas. Seu tio-avô injetou milhões em um centro de arqueologia. Um primo doou quase 140 milhões de dólares para a música clássica. Mas, na opinião de Engelhorn, os ricos não devem decidir quais interesses pessoais e paixões merecem seus milhões. “Não há necessidade de outra fundação. O que é realmente preciso é uma mudança estrutural”, afirmou ela. A filantropia, para Engelhorn, só replica a mesma dinâmica de poder que criou as desigualdades sistêmicas. Marlene acredita em novas políticas fiscais para os super-ricos sendo um aspecto essencial dessa visão.
A fortuna multibilionária da família Engelhorn teve origem em Friedrich Engelhorn, que há cerca de 150 anos fundou a Basf, na Alemanha, uma das maiores empresas químicas do mundo. Outra companhia da família, a Boehringer Mannheim, que fabrica produtos farmacêuticos e equipamentos médicos, foi vendida à Roche por US$ 11 bilhões, em 1997.
Como herdeira parcial dessa fortuna, Engelhorn cresceu em um casarão em uma parte elegante de Viena. Frequentou escolas de língua francesa, descrevendo-se como o tipo de aluna que “corrigia erros de gramática quando os ouvia”. Ela jogava futebol com garotos e lia vorazmente. Na Universidade de Viena, a perspectiva de Engelhorn começou a se expandir. Voluntariou-se em grupos de direitos dos homossexuais e se interessou pela interconexão da discriminação racial, de gênero e econômica.
No início de 2020, enquanto estava em um café na Suíça, onde tinha ido para ver a avó no seu aniversário de 93 anos, um contador lhe disse que, depois da morte desta, ela herdaria muitos milhões de euros, e a aconselhou a se divertir. Ele disse: “Isso é para ser gasto. Vá brincar.” Mas, para ela, a notícia era mais desconcertante do que motivo de alegria, estimulando uma avaliação atormentada de seu lugar na sociedade. “Eu era parte do problema. Estou muito consciente das injustiças, mas e agora? O que faço com todos esses pensamentos bonitos?”, ela se perguntou.
Enquanto procurava conselhos, descobriu grupos de milionários defensores de mais impostos, cujos membros se reúnem pessoalmente ou em chamadas de vídeo para discutir seus privilégios – e como fazer com que o Estado participe. Alguns desses grupos surgiram nos últimos 20 anos, mas recentemente as adesões aumentaram. Os jornais zombaram da linguagem de alguns desses grupos, classificando-os de “moralizadores pomposos”. Engelhorn reclamou que certos meios de comunicação os ridicularizaram, chamando-os de “clubes de crianças ricas”, mas eles se esquecem, diz ela, que estamos preocupados com a questão social.