DIREITOS HUMANOS

Cubanos aprovam casamento homossexual em revisão histórica

País que já condenou gays a trabalhos forçados permitirá adoção de crianças por homossexuais

Da redação | 27 de setembro de 2022 - 11:14
Por Mary Beth Sheridan,
Do Washington Post

Os cubanos aprovaram uma medida para legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, parte de um novo Código Familiar, que está entre os mais progressistas da América Latina, desafiando uma longa tradição de machismo na ilha.

Cerca de dois terços dos eleitores apoiaram o código em um referendo no domingo (25/9), de acordo com apuração quase completa anunciada pela mídia estatal na manhã desta segunda-feira. A votação seguiu um longo processo de consulta com 79.000 reuniões de bairro que desencadearam uma enxurrada de mais de 300.000 sugestões dos cidadãos.

Novo Código de Família permite que pessoas do mesmo sexo se casem e adotem crianças (Foto: Pexels).

Além de aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a legislação permitirá que casais homossexuais adotem crianças e aumentará os direitos de mulheres, idosos e menores.

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Os defensores chamam isso de um sinal do progresso dos direitos LGBTQIA+ sob o governo comunista de Cuba, que já foi tão hostil aos gays que os enviou a campos de trabalhos forçados para “reeducação”.

No entanto, os líderes da influente Igreja Católica Romana e o crescente movimento evangélico da ilha expressaram grande discordância com a aprovação das medidas.

“Isso me lembra muito o debate que tivemos no Canadá e nos EUA há 10 ou 20 anos, sobre o papel da família, o papel dos direitos dos homossexuais”, disse John Kirk, um estudioso de Cuba da Universidade Dalhousie, na Nova Escócia.

Governo tenta se fortalecer com medidas

O que diferencia Cuba é o contexto político. O ativismo pelos direitos dos homossexuais tem sido canalizado em grande parte através do sistema de partido único, em vez de grupos independentes da sociedade civil, que são limitados.

O governo promoveu a nova lei em outdoors, em comícios e na mídia oficial. O presidente Miguel Díaz-Canel pediu na quinta-feira (22/9) aos cubanos em um discurso televisionado que votassem no código, vinculando a votação ao apoio ao sistema político.

“Votar ‘sim’ é dizer sim à unidade, à revolução, ao socialismo”, disse ele.

Isso irritou os críticos do governo, que observaram que os cubanos raramente tiveram a oportunidade de votar livremente em outros assuntos – como escolher seus líderes.

A votação ocorre em um momento de revolta generalizada com a escassez de alimentos e eletricidade. A economia ainda é prejudicada pelos efeitos da pandemia de coronavírus e sanções extras dos EUA impostas pelo governo Trump e parcialmente mantidas pelo governo Biden. Alguns cubanos pediram um voto de protesto.

Governo cubano usa medidas progressistas para desviar atenção de problemas sociais. (Foto: Pexels)

“Entendo que a rejeição da ditadura levará muitas pessoas a querer votar ‘não’ reflexivamente, para que o regime sofra uma derrota simbólica”, disse o jornalista independente Mario Luis Reyes ao site de notícias 14ymedio, dirigido pela dissidente cubana Yoani Sánchez. “Mas se o ‘não’ vencer, quem realmente será derrotado somos nós.”

Evolução histórica

O Código Familiar de 100 páginas reflete uma mudança radical nas atitudes oficiais em relação aos direitos dos homossexuais em Cuba.

Na década de 1960, após o triunfo da revolução de Fidel Castro, o governo comunista exaltava o “novo homem socialista” e reprimia dissidentes de todo tipo. Cidadãos gays foram demitidos de empregos e até enviados para campos de trabalho.

Uma figura de destaque na transformação dessas atitudes homofóbicas foi a sexóloga Mariela Castro, filha do irmão de Fidel e colega revolucionário, Raúl. Ela dirige um instituto governamental de educação sexual e é uma proeminente defensora dos direitos dos homossexuais.

Hoje, a discriminação no local de trabalho com base na orientação sexual é proibida e o sistema de saúde pública oferece cirurgia de redesignação de gênero gratuitamente.

A nova lei expandirá não apenas os direitos dos homossexuais, mas também as proteções para mulheres, crianças e idosos. Exorta os casais a compartilharem igualmente as tarefas domésticas, condena a violência familiar e insiste que as crianças tenham voz nas decisões familiares.

A Igreja, contra o novo código

Os bispos católicos de Cuba e outros líderes religiosos cristãos se manifestaram fortemente contra a proposta.

“A proposta está permeada pelo que se conhece como ‘ideologia de gênero’, que, como muitas vezes acontece com as ideologias, é uma construção de ideias que as pessoas querem impor à força à realidade e acabam distorcendo-a”, disse a Conferência Cubana de Bispos em um comunicado.

Aprovação não foi total

A nova medida, que substitui o Código Familiar de 1975, foi discutida em mais de 79.000 reuniões comunitárias entre fevereiro e abril e alterada com base nas sugestões dos cidadãos. A Assembleia Nacional de Cuba aprovou em julho. O código superou facilmente o piso de 50% necessária para entrar em vigor, mas ficou aquém do apoio quase total que as propostas apoiadas pelo governo normalmente recebem em referendos.

Embora o governo tenha classificado o referendo como um exercício de democracia, alguns críticos disseram que os direitos dos gays não deveriam ser votados.

“O fato de perguntarem às pessoas o que pensam sobre os direitos de uma minoria mostra que elas realmente não entendem como as democracias funcionam”, disse Juan Pappier, pesquisador sênior das Américas da Human Rights Watch.

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