Moscou diz que vai respeitar resultado das urnas, mas líderes ocidentais não acreditam
As administrações russas de quatro regiões da Ucrânia, invadidas pelo governo de Moscou, iniciaram nesta sexta-feira (23/9) um consulta popular para definir se esses territórios devem ser anexados à Rússia. A votação, que está sendo chamada pelos separatistas de referendo sobre a adesão à Rússia, acontece nas cidades de Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhia. As áreas dessas regiões somadas representam cerca de 15% do território ucraniano.
Líderes mundiais repudiaram a votação e dizem que ela é uma farsa patrocinada pelo presidente russo, Vladimir Putin. As nações ocidentais já deixaram claro também que não reconhecerão o resultado da votação.
A partir do resultado da consulta, o governo russo espera legitimar a sua presença nos territórios inimigos para poder invocar a “regra de ouro” das Nações Unidas que ele mesmo desrespeitou. Esta regra deixa claro que nenhum país pode invadir o território de outra nação.
Assim, feita a anexação, a Rússia poderia alegar que seu território está sob ataque de armas fornecidas pela Otan e outros países ocidentais à Ucrânia, o que levaria a um recrudescimento da guerra e, eventualmente, desculpa para o uso de armamento nuclear.
A votação nas regiões ocupadas é uma das medidas adotadas pelo governo da Rússia para fazer frente à desvantagem na guerra. Esta semana Putin anunciou a convocação de 300 mil reservistas para atuarem na linha frente e o parlamento russo aprovou uma lei que criminaliza a deserção, a rendição e a saída do país, sem licença, durante a mobilização militar.
Em 2014, quando a Rússia invadiu a região da Crimeia e a anexou ao seu território, Vladimir Putin ordenou a realização de uma votação para ratificar o desejo da população de fazer parte da nação russa. Na época, a comunidade internacional denunciou a consulta como sendo uma fraude.
Quando o resultado das urnas foi divulgado, nenhuma surpresa: 96,7% de apoio à anexação. Mas um relatório vazado do Conselho de Direitos Humanos da Rússia informava que apenas 30% dos eleitores votaram e somente metade apoiou a anexação russa.
A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), formada por 57 países, declarou que não há dúvida de que prevalecerá o voto SIM. E a que a farsa da Crimeia se repetirá oito anos depois.
Analistas internacionais avaliam que essa votação não será segura para 750 mil pessoas que estariam aptas a votar, de acordo com os dissidentes ucranianos. Todas as quatro áreas — duas no leste e duas no sul — estão na linha de frente da guerra na Ucrânia e a votação acontecerá em meio à insegurança dos conflitos armados.
Na cidade de Kherson, os conflitos militares são intensos. Soldados russos lutam para conter a contraofensiva ucraniana na região. Na semana passada o prédio da administração central foi atingido por uma série de mísseis apenas na semana passada.
Veículos de imprensa russa divulgaram que os responsáveis pela consulta bateriam de porta em porta com urnas portáteis nas mãos para coletar o voto dos eleitores. Agências de notícias russas mostraram panfletos que estão sendo distribuídos à população com o título “A Rússia é o futuro”.
Por razões de segurança, os locais físicos de votação só funcionarão no último dia previsto para o referendo, terça-feira da próxima semana (27/9). A junta eleitoral criou centenas de estações para abrigar as urnas e criou algumas facilidades. Eleitores que estão fora de seu domicílio poderão votar normalmente, o que inclui refugiados que estejam, por exemplo, em território russo.
Entre os moradores das regiões invadidas subsiste o medo em relação ao que pode vir após a votação. A maioria já imagina que o resultado será “esmagadoramente” favorável a adesão à Rússia. Mas quando isso acontecer, muitos homens ucranianos, que discordam da anexação, temem ser convocados para lutar ao lado do exército russo e contra a Ucrânia.
O conselheiro do Ministério da Defesa da Ucrânia, Yuriy Sak, disse que a consulta está condenada. Para ele, as populações locais são todas favoráveis ao retorno dos territórios à Ucrânia. “Estamos vendo que as populações locais são todas a favor do retorno à Ucrânia, e é por isso que há tanta resistência do movimento guerrilheiro nesses territórios”, afirmou Sak.
De todo modo, o comando das tropas ucranianas declarou que nada mudará na contraofensiva de guerra e que a Ucrânia continuará pressionando para libertar os territórios do jugo dos inimigos russos.