Pai e filha morreram juntos há 54 mil anos, vítimas de fome ou de uma tempestade nas montanhas da Sibéria
Os cientistas descobriram uma rara janela para os tempos antigos. Pela primeira vez localizaram em uma caverna russa restos mortais de um clã neandertal intimamente relacionado, no caso, membros de uma mesma família, um pai e sua filha.
O clã foi descoberto em um dos maiores estudos genéticos de uma população neandertal feito até hoje, e publicado esta semana na revista Nature. Os cientistas suspeitam que pai e filha morreram juntos cerca de 54.000 anos atrás – talvez tragicamente, de fome ou uma grande tempestade – nas montanhas do sul da Sibéria. Eles viviam no topo de um penhasco rochoso nos confins da faixa conhecida dos neandertais, que se estendia das regiões atlânticas da Europa até a Ásia central.
A organização social das populações neandertais não é bem compreendida. A pesquisa mais recente sugere que, pelo menos na Sibéria, os neandertais viviam em grupos de 10 a 20 pessoas – semelhantes aos gorilas das montanhas atuais, que são uma espécie ameaçada de extinção.
O estudo foi realizado por uma equipe global de cientistas, incluindo Svante Pääbo, geneticista sueco que ganhou o Prêmio Nobel de medicina este mês por seu trabalho mapeando nossos laços genéticos com os neandertais.
Ao contrário de muitos sítios arqueológicos, que contêm fósseis construídos por longos períodos, estudos genéticos em 11 neandertais encontrados na caverna Chagyrskaya – nas montanhas de Altai, perto da fronteira russa com o Cazaquistão, Mongólia e China – mostraram que muitos deles eram parentes próximos, sugerindo que todos eles viveram na mesma época.
“Você realmente não encontra sítios tão cheios de material. Estava cheio de ossos, ossos de neandertais, ossos de animais, artefatos. É um momento, literalmente congelado no tempo”, disse Richard G. Roberts, estudioso da Universidade de Wollongong, na Austrália, e um dos coautores do estudo
Os cientistas usaram DNA extraído de fósseis encontrados na caverna Chagyrskaya e de dois outros neandertais encontrados em uma caverna próxima para mapear as relações entre os indivíduos e buscar pistas sobre como eles viviam.
Dados genéticos obtidos de dentes e fragmentos ósseos mostraram que os indivíduos incluíam um pai e sua filha, juntamente com um par de parentes de segundo grau, possivelmente uma tia ou um tio, uma sobrinha ou sobrinho, disse Roberts.
Trabalhos anteriores de Pääbo, o geneticista sueco, mostraram que os neandertais se misturaram com humanos pré-históricos depois de migrarem da África, e os vestígios dessas interações vivem nos genomas de muitas pessoas atuais.
Durante a pandemia, ele descobriu que um fator de risco genético associado a casos graves de covid-19 foi transmitido pelos neandertais, transportados por cerca de metade das pessoas no sul da Ásia e cerca de 1 em cada 6 pessoas na Europa.