Após a derrota no plebiscito, presidente anuncia hoje importantes mudanças no gabinete
O presidente do Chile, Gabriel Boric, vai promover hoje grandes mudanças no gabinete ministerial, na tentativa de conseguir apoio dos partidos de esquerda e de centro, com o objetivo de garantir a governabilidade. Após o resultado do plebiscito, que terminou com a rejeição do texto de uma nova Constituição, Boric deve dar uma guinada mais para o centro, com o objetivo de acomodar as forças políticas que se saíram vencedoras no plebiscito. Os perdedores foram os partidos situados mais à esquerda, que defendiam mudanças radicais no país.
O plebiscito terminou com uma vitória da rejeição por 61% dos votos, para 38% à favor. A diferença de 23% revela uma falha nas pesquisas que apontavam em torno de 10% em favor da rejeição.
O resultado significa uma séria derrota para o presidente Gabriel Boric, que havia se empenhado na defesa da aprovação. Mas após a divulgação do resultado, Boric afirmou que é preciso acatar a decisão dos eleitores, que foram em massa às urnas, com um recorde de 85% de comparecimento. “É hora de superar radicalismos, a violência e intolerância”, disse Boric.
Agora, o governo, os dirigentes partidários e representantes de vários setores da sociedade terão que decidir qual o caminho a ser adotado para substituir a atual Constituição, que ainda é a mesma dos tempos da ditadura de Augusto Pinochet. Para líderes de diversos partidos, a melhor opção é deixar que o Congresso elabore um novo texto, ao invés de deixar a tarefa para uma Convenção, como foi feito nesta primeira tentativa.
Elaborado por uma Convenção Constitucional, integrada por 154 constituintes, o texto contém pontos polêmicos que provocaram sérias preocupações entre o eleitorado e levaram à rejeição. Uma delas se refere ao poder judiciário. Atualmente, a Justiça no Chile é exercida pela Corte Suprema e 17 cortes de apelações. Com a mudança proposta pelo texto, seria criado um Conselho de Justiça Plurinacional, ao qual caberia a nomeação dos juízes e funcionários dos tribunais.
Esse Conselho teria poder para supervisionar os tribunais, podendo impor sanções, remover juízes ou funcionários. O detalhe que mais preocupa é que os juízes seriam minoria no Conselho. De seus 17 integrantes, aspenas 8 seriam juízes, 2 funcionários nomeados, 2 indígenas e os cinco restantes indicados pelo Legislativo sem que, necessariamente, tenham sabedoria jurídica. Para integrantes das cortes atuais, a proposta c colocaria em risco a imparcialidade e a independência do judiciário.
Outra questão que levou muitos eleitores a optar pela rejeição está a proposta de concessão de autonomia para as tribos indígenas, nas áreas que habitam, inclusive com leis específicas e um judiciário independente. Como são 11 etnias, que somam 13% da população, há quem tema uma divisão territorial que transforme o país em pequenos núcleos, alterando a unidade nacional.
A questão do aborto é outro ponto polêmico. Atualmente, no Chile, existe o direito ao aborto em três situações: pela inviabilidade do feto; risco de vida para a mãe; ou em casos de estupro.
A mudança prevista no texto previa o direito das mães de decidirem livremente se devem ou não seguir com a gravidez. A questão é que não foi estabelecido um prazo para a interrupção, o que leva muitas pessoas a acreditarem que isto poderia ser feito até os nove meses. Diante das críticas, os constituintes alegaram que a questão pode ser decidida pelo Congresso.
O Senado chileno tem mais de 200 anos de história e por lá passaram vários ex-presidentes como Eduardo Frei, Ricardo Lagos e Patrício Aylwin. Políticos de vários partidos lembram que a existência de uma câmara alta faz parte do sistema legislativo da maioria dos países mais desenvolvidos.
A senadora Maria Isabel Allende, filha do ex-presidente socialista Salvador Allende – e prima da escritora Isabel Allende – é uma das integrantes da Casa que mais tem se batido contra esta proposta. O Partido Socialista que, oficialmente, defende a aprovação da nova Carta, nos bastidores questiona esse ponto, uma vez que detém um grande número de cadeiras no Senado e seria prejudicado com a extinção desse poder.