37 trilhões de células no organismo e nenhuma igual à outra
Milhares de cientistas, de 70 países, trabalham atualmente na elaboração do Atlas das Células Humanas. O ambicioso projeto vai contribuir para o combate a inúmeras doenças. O corpo humano tem cerca de 37 trilhões de células, nenhuma exatamente igual a outra. Ao desvendarem os segredos que elas guardam os cientistas esperam promover uma revolução na Medicina.
Um dos grupos de pesquisa é integrado por 29 cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e da Universidade de Harvard. Durante estudo de identificação das células que compunham o revestimento da traqueia, eles descobriram um novo tipo de célula. Surpreendentemente, essas células não haviam sido identificadas antes porque constituem apenas 1% das que estão presentes nas vias aéreas. A mutação de um dos genes desta célula é a causa da doença fibrose cística. Ela começa geralmente na infância, causando infecções pulmonares e dificuldade para respirar.
Na Universidade de Manchester, no Reino Unido, os cientistas realizam pesquisas sobre as chamadas células matadoras, que fazem parte do sistema imunológico do organismo. Existem pelo menos mil delas em cada gota de sangue. A especialidade delas é detectar e matar outras células que se tornam cancerosas ou estão infectadas com vírus. Mais uma vez, as células matadoras nunca são iguais e exercem diferentes tarefas. Por exemplo, algumas são melhores na identificação de doenças e outras no combate a vírus e bactérias. Calcula-se que existem milhares de variantes delas em apenas uma pessoa.
Lançado há cinco anos, com o objetivo inicial de mapear 100 milhões de células de diferentes órgãos e sistemas do corpo humano, o projeto do Atlas das Células Humanas vem ganhando novas adesões, até se espalhar por 70 países.
Para se ter uma ideia mais clara, a iniciativa é semelhante do Projeto do Genoma Humano, que levou ao sequenciamento dos genes contidos em cada célula. Concluído em 2003, esse projeto permitiu a identificação de todas as variações genéticas e suas relações com as diferentes doenças.
“O sequenciamento do genoma humano e de outras espécies serviu para mostrar que a informação contida no DNA precisa ser interpretada de forma correta no espaço e no tempo. A interpretação da informação contida no DNA acontece no nível da célula. É muito provável que a maior parte das doenças também se manifeste no nível celular”, explica o professor de Biologia Celular da Universidade Estadual de Campinas, Hernandes Carvalho.
Apesar de já termos um vasto conhecimento sobre elas, o surgimento de novas tecnologias e métodos têm gerado oportunidade para a ciência de estudar as células, algumas com poucos dados científicos, e outras nunca antes identificadas. As células desempenham diversas funções importantes no organismo, como reprodução, crescimento e a execução de funções vitais. “Através delas percebemos o mundo ao nosso redor, detectamos informações do nosso ambiente, nos isolamos dele, retiramos energia dos alimentos, executamos trabalho e nos reproduzimos”, afirma o professor.
O estudo das células tem permitido modificá-las, testá-las, utilizá-las. A agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou este ano, as primeiras terapias com a utilização das “CAR-T Cell”. O tratamento é utilizado contra os tipos de cânceres: leucemia linfoide aguda, linfoma difuso de grandes células B e mieloma múltiplo. A terapia consiste na retirada de células, os linfócitos, do próprio paciente. Após o acesso a elas, os especialistas as moldam em laboratório para combater o tumor e são reinseridas no paciente. Com a mudança, as células reconhecem de forma mais específica às células doentes e atuam reprogramando-as.
O professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), Renato Cunha, que participou do tratamento de um paciente com as “CAR-T Cell”, afirmou que a chance de cura de portadores de leucemia linfoide aguda que era de apenas 5% com outros tratamentos, passou a ser de 40 a 60% de sucesso. Mesmo que ainda não estejam disponíveis no mercado, devido a seu alto custo, o professor afirma que o tratamento representa uma esperança: “A gente está apenas no começo. Este tratamento representa uma porta aberta com infinitas possibilidades que precisam ser exploradas para o desenvolvimento de outras curas, tudo devido às células”.