Novo ministro da economia chega como salvador da pátria
Difícil saber quais são os piores números para o governo argentino. A cotação do peso está rondando a casa dos 300 para um único dólar. Ou, para os brasileiros que invadem Buenos Aires para aproveitar os preços baixos, mais de 50 pesos para cada real. O presidente Alberto Fernandez disputa com sua vice, Cristina Kirchner, quem é mais impopular: 17% para ele e 20% para ela. E o nível de aprovação do governo caiu de 70% para 21%, entre abril de 2020 e junho de 2022, de acordo com pesquisa da Universidade de San Andrés.
Os tropeços da política econômica do governo de Alberto Fernandez, baseada na presença forte do Estado, levaram a inflação ao recorde dos quase 70% nos últimos 12 meses. Não bastassem todos os números negativos, o presidente ainda tem que enfrentar as punhaladas de sua vice, que controla o governo dos bastidores, impondo suas decisões. Foi dela a ideia da nomeação da ex-ministra da Economia, Silvina Batakis, que durou apenas apenas 24 dias no cargo.
Ontem (03/08), assumiu o terceiro ministro da Economia do governo Fernandez, o advogado Sérgio Massa, que já foi chefe de gabinete de Cristina, deputado e candidato a presidente em 2015. Chegou como esperança de salvador de um governo em frangalhos. À noite, anunciou medidas para tentar tirar a economia do buraco. Em termos gerais, falou em conter as importações, estimular exportações, elevar a arrecadação com possível aumento de tarifas, entre elas as de energia, e congelar os salários dos servidores públicos.
Diante do cenário, agravado pela falta de recursos para a Saúde, Educação e outros, Fernandez tenta com o novo ministro evitar o mesmo desfecho que o destino reservou para o ex-presidente Fernando De la Rúa, 20 anos atrás.
A única coisa que se salvava na economia naquele momento era a inflação, próxima de zero, o que não era pouco para um país que no final dos 1980 bateu em mais de 3 mil por cento ao ano.
Na prática, havia chegado ao fim a vida útil da “livre conversibilidade”, que mantinha a inflação em quase zero. O modelo, criado pelo ministro da Economia, Domingo Cavallo, havia fixado 1 peso igual 1 dólar e permitia a livre circulação da moeda americana na economia local. Era uma fórmula vista com suspeição desde o início, mas que havia conseguido debelar, aos poucos, a hiperinflação no país a partir de março de 1991.
Coube ao presidente tampão, Eduardo Duhalde — até então governador da província de Buenos Aires — decretar o fim da era do dólar barato e preços altos, mesmo sabendo que a inflação voltaria. A dolarização tornara-se insustentável pelo simples fato de não haver mais dólar suficiente nos bancos do país para aguentar o “um por um”.
E a inflação reapareceu forte. A estimativa inicial era de que, naquele primeiro ano sem dolarização plena, a inflação se aproximasse dos 100%. Ficou menor, em pouco mais de 40%, contida por uma terrível recessão, quebra massiva de empresas e empobrecimento geral da população, o que fez a economia dar marcha à ré de mais de 10% em 2002.
O fim da dolarização argentina teve momentos cinematográficos. No dia 20 de dezembro de 2001, como se não bastassem os ruidosos protestos de rua, saques e tentativas de incendiar o Ministério da Economia, o presidente Fernando de La Rúa bateu em retirada apoteótica sob vaias de uma multidão irada, na Praça de Mayo, ao decolar de helicóptero do teto da Casa Rosada diretamente para a aposentadoria.
Como o vice-presidente Chacho Álvarez havia renunciado meses antes, acusando De La Rúa de comprar senadores, o Congresso fez três tentativas frustradas de nomear sucessores ao comando do país, até que Eduardo Duhalde fixou-se no trono para, no dia 6 de janeiro, assinar a quebra do “um por um”.
Os dez anos de paridade cambial, porém, davam sinais de fadiga já nos últimos tempos de Menem. Manter o “um a um” por tanto tempo debelou a inflação aos poucos, mas acumulou uma supervalorização da moeda local. O peso incorporou altas de preços em principalmente dos dois primeiros anos de dolarização, que somaram quase 200% de inflação em dólar, o que tornou os preços na Argentina os mais altos da América Latina. A distorção afetou também o produto argentino em geral e fez as exportações despencarem.
Com o fim da dolarização, a inflação argentina voltou com força. Depois dos 40% de 2002, houve só dois anos de certa calmaria — 3,7% em 2003 e 6,1% em 2004, com base no índice oficial, do Indec (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos), embora parte dos especialistas no país acredite que a inflação real sempre superou esses níveis.
O liberalismo de Maurício Macri, que interrompeu 12 anos de comando kirchnerista, a partir de 2016, tampouco foi capaz de amansar os preços. Durante seu governo, a inflação rondou a faixa entre os 40% e os 50% anuais. A média foi sido mantida nos dois primeiros anos de Alberto Fernandez, que trouxe o kirchnerismo de volta. E em 2022 a inflação pode chegar a um novo recorde nessas duas décadas, superando os 70%.
O jornalista Darío Del Arco, na época da quebra da paridade diretor editorial da principal agência de notícias da Argentina, a DyN (Diários y Notícias), hoje âncora e respeitado comentarista político no rádio de Buenos Aires, cobriu em detalhe as idas e vindas da economia nas quatro últimas décadas e culpa o populismo pela inflação: “Desde Perón até agora, o vício dos governos de gastar mais do que o país produz submeteu os argentinos a essa selvageria nos preços”, avalia.
Segundo ele, para amortecer os impactos da inflação alguns governantes optaram por endividar o país e outros preferiram ligar a máquina de imprimir moeda, caso do atual presidente, Alberto Fernández. “Gastar mais do que se tem, crescer pouco, imprimir moeda sem controle, dar dinheiro aos borbotões a organizações sociais para conter a revolta das ruas. Tudo isso somado à enorme corrupção, condena hoje mais de 40% dos argentinos à pobreza”, conclui.