A montanhista tem no esporte um hábito de vida e surpreende a todos com sua determinação
Marineth Huback tinha acabado de perder seu marido. Aos 57 anos, ficou viúva pela segunda vez. Seu filho, de 20 e poucos anos estava preocupado com o período difícil de luto da mãe. Ele listou alguns conselhos para ajudá-la: acordar e tomar um café bem reforçado, almoçar por volta das 14h30 da tarde, às 17h30 sair de casa. Marineth perguntou: “e vou sair pra onde?”. Nesta época, seu filho praticava a arte marcial chinesa, Tai Chi Chuan e convidou a mãe pra ir com ele.
No início foi difícil aprender os passos, mas hoje faz todos os movimentos. Mesmo sendo a mais velha do grupo, sempre foi muito bem recebida lá. Foi no Tai Chi, que ela conheceu a montanhista Jana Menezes, uns 11 anos mais nova que ela, sua “madrinha de pedra”, como Marineth a chama. Jana convidou as pessoas da turma para fazer trilhas, uma na Pedra da Gávea, no Rio. Marineth nem titubeou e disse que queria ir, para pagar uma promessa.
Durante muito tempo, ainda com uns 40 e poucos anos, ela passava de carro com o marido na frente da Pedra da Gávea. Aventureira, disse que tinha vontade de subir a montanha. O marido dizia que ela não tinha mais idade pra isso. Que ela só subiria ali depois que ele morresse. E foi isso que Marineth fez. Aos 57 anos, após a morte dele, ela subiu a Pedra da Gávea. Um dos seus colegas de Tai Chi levou uma espada para a trilha. Ela então no topo da montanha, colocou a espada em uma pedra e gritou: “Robert, eu estou aqui! Eu não disse que subiria a Pedra da Gávea?! Você está me ouvindo? Porque você implicou muito comigo por isso”.
Logo depois disso, ela fez aulas e começou a participar do “Centro Excursionista Rio de Janeiro”. Hoje, além do Centro, ela também faz parte de um dos clubes mais antigos do Brasil, o “Centro Excursionista Brasileiro”. Aos 85 anos, ela continua fazendo trilhas, dentro do país ou no Exterior. Em 2020, foi pra Patagônia. Apesar de nunca ter sofrido nenhum tipo de preconceito dentro do grupo de montanhismo, as pessoas não incentivaram tanto que ela praticasse o esporte. Colegas da academia que ela frequenta, falam que ela devia parar, que é muito perigoso e pode sofrer um acidente fatal. Ela responde que sim, para uma montanhista, nada melhor que morrer na montanha. “É muito melhor que morrer numa CTI, cheia de tubos e sozinha!”, afirma.
Para ela o montanhismo é um dos esportes mais democráticos que existem. No Centro, no dia de trilha, tem aqueles que chegam de Land Rover, os que não tem carro e vem de metrô, como aqueles que descem da comunidade para lá. Durante a escalada, no cume ou mesmo na descida, todos são iguais. Se ajudam, dividem a comida. No início tinha sido apenas uma forma de passar o tempo, após a morte do seu segundo marido, mas hoje é mais do que isso. Desde o início e até hoje suas trilhas deixam muitas pessoas surpresas.
Aos 81 anos, por exemplo, foi fazer uma trilha com um grupo de 18 pessoas na Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí. O monitor do parque ao vê-la perguntou se ela sabia como era o local e que ela deveria sentar, comer milho e tomar água de coco, para esperar o resto do pessoal. Ela disse que conhecia o caminho, porque já tinha visto no Youtube várias pessoas amarelando, mas que não era o caso dela. O monitor insistiu e disse que ela devia esperar e ficar ali com o pessoal que vendia milho: “Eu não vim até aqui pra comer milho não”, respondeu. Sua guia disse ao monitor que ela iria e que confiava que ela daria conta. Neste momento, Marineth viu o olho do monitor para a guia. Eles não precisavam nem falar, Marineth sabia que o monitor achava que ela não daria conta e que teriam que chamar o resgate “para descer a velha”.
Marineth junto com o grupo subiu os mais de 634 degraus. A vista da Pedra era maravilhosa, o dia estava muito bonito. Logo atrás deles, na descida tinha um casal de jovens. A mulher ao ver o grupo com todos os equipamentos de segurança, entrou em pânico ao pensar como iria descer. O abismo era bem íngreme. A guia achou melhor que chamassem o resgate para ajudá-los. A mulher ficou desesperada e chorava muito. O namorado era muito mal educado e foi o responsável por subirem ali sem nenhum equipamento. O resgate foi chamado.
Lá embaixo, depois contaram para ela que os monitores do parque estavam rindo. Tinham certeza que a velha ia precisar de ajuda pra descer. Marineth desceu com o resto do grupo e ao encontrar o monitor ele ficou sem entender nada. Ele não acreditava que ela tinha subido e descido todo o percurso. Ele disse que nunca tinha visto uma pessoa daquela idade fazer aquela trilha. Marineth rindo disse: “Para tudo na vida tem uma primeira vez”. Ele então pediu para tirar uma foto com Marineth para mandar para a mãe dele. Este ano, aos 85 anos ela ia voltar a fazer a trilha que lhe deixou tantas lembranças. Mas com o adoecimento de um guia, a viagem ficou para o próximo ano.
Ao ser questionada quantas montanhas e trilhas já fez, ela responde que é relaxada, não é como colegas que fazem um livrinho e marcam onde foram, com quem, quais monitores. Ela acredita que já tenha escalado mais de 140 cumes e mais de 18 travessias. As travessias, diferente do cume, não volta pelo menos lugar em que se subiu. Marineth que foi aeromoça por muitos anos, até se casar com seu primeiro marido, que era piloto, e ter seus dois filhos, não imaginava que iria fazer tantas coisas radicais. Aquela menina que vivia em uma fazenda em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, que gostava de subir em árvores com o irmão mais novo pra comer jabuticaba, talvez não imaginasse que anos mais tarde, muitos anos depois, iria escalar montanhas.
No seu aniversário de 85 anos, ela fez rapel em um prédio na Serra das Araras, que era um antigo museu. Subia até o 6, 7 andar de escada e dali escalava de fora do prédio. Na descida, se faz rapel. Marineth conta que foi uma experiência única, que nunca tinha feito rapel em uma superfície diferente das rochas que está acostumada. Ali, em um restaurante local, ela pediu uma água de coco. O amigo, instrutor de rapel disse que ela era a aniversariante do dia. A atendente perguntou quantas anos Marineth estava fazendo. Ela respondeu: 85. A atendente olhou surpresa e respondeu: “Nossa e ela ainda está andando, que bom”. Marineth e o amigo riram muito. Ele mostrou para a atendente uma foto de Marineth fazendo o rapel. A atendente não acreditou. Disse que não era ela. O amigo disse que agora eles tinham que voltar e fazer o rapel de novo para ela ver. Ela não foi. Mas podia ter ido.