INTERNACIONAL

Altas temperaturas tornam os vinhos cada vez mais parecidos

Mudanças climáticas alteram o delicado equilíbrio e retiram características que diferenciam as uvas

Por: Carlos Taquari
Da redação | 17 de setembro de 2022 - 22:00

As persistentes ondas de calor têm prejudicado as colheitas de vinhos na Europa, Estados Unidos, Austrália e outros países. As altas temperaturas afetam o delicado equilíbrio que resulta na formação do vinho, reduzindo as diferenças entre as variedades que compõem o produto final.

O calor pode transformar o sabor do vinho, cuja qualidade e identidade depende das condições em que as uvas crescem. Muitos produtores temem que o efeito das mudanças climáticas altere as características de seus vinhedos e a identidade assegurada nos rótulos.

“Esta é a grande preocupação”, afirma Karen MacNeil, especialista em vinhos, de Napa Valley, na Califórnia, e autora de “A Bíblia do Vinho”. “A alma do vinho está ligada à sua região”, ela disse, em entrevista à revista “Knowable Magazine”.

O grande desafio trazido pelas mudanças climáticas é a imprevisibilidade, explica MacNeil. Os produtores estão acostumados saber qual variedade plantar, como acompanhar o crescimento das videiras e quando colher as uvas. “Mas, hoje, cada um desses passos se torna imprevisível. Esta constatação está levando produtores e pesquisadores a buscar maneiras de preservar suas preciosas variedades e qualidades únicas sob a ameaça constante de um mundo cada vez mais aquecido”.
vinhos cada vez mais parecidos

Como o calor afeta a química do vinho

Açúcar
As uvas amadurecem mais rápido sob o calor intenso, acumulando mais açúcar, o que eleva o teor alcoólico do vinho.

Acidez
O grau de acidez, do qual depende a frescura e sabor do vinho, diminui com as altas temperaturas.

Componentes

Os taninos, fundamentais para determinar o sabor, não se desenvolvem plenamente se as uvas forem colhidas antes do tempo para evitar a maior concentração de açúcar trazida pelo calor excessivo. Os pigmentos, importantes para garantir as características de cada variedade, diminuem sob altas temperaturas.

Perigo invisível

Especialistas chamam a atenção para o fato de que os extremos de temperatura, para o frio ou o calor, podem afetar as videiras. Mas há um outro perigo, invisível para muitos: o clima pode provocar alterações químicas nas uvas, que vão afetar o produto final, que depende do equilíbrio entre açúcar, acidez e os chamados componentes secundários.

Por sua vez, esses componentes dependem de inúmeros fatores ambientais, incluindo o tipo de solo, volume de chuvas, umidade e outros. Tudo isso faz parte daquilo que os franceses batizaram de “terroir”, palavra que resume essa infinidade de fatores.

As estações do ano bem definidas, com as temperaturas adequadas a cada uma delas e o volume de chuvas são os principais fatores para garantir que o produto final esteja de acordo com o “terroir” de cada região, explica Anita Oberholster, professora do Departamento de Biologia, da Universidade da Califórnia, Davis, que vem acompanhando os efeitos das mudanças climáticas na região de Napa Valley, conhecida pelos excelentes vinhos.

Em certos vinhos, o alto teor alcoólico esconde os aromas, diz Carolyn Ross, pesquisadora do setor de alimentos, da Universidade do Estado de Washington. A professora elaborou o catálogo de aromas e componentes dos vinhos para o Relatório Anual de Ciência e Tecnologia dos Alimentos. Para algumas variedades, como a uva Zinfandel, o teor alcoólico não compromete tanto. “Mas quando se trata de um Pinot ou Cabernet, torna-se mais difícil alcançar o melhor que essas variedades podem oferecer”, explica Megan Bartlett, bióloga especializada em vinicultura, da Universidade da Califórnia, Davis.

vinhos cada vez mais parecidos

Consumidores terão que ficar mais atentos a qualidade do vinho. Crédito: Pexels.

Bordeaux, França

As ondas de calor têm elevado a quantidade de açúcar nas uvas, em áreas como o Sudoeste e Sul da França, onde se produzem alguns dos melhores vinhos do mundo. Esse é um fator indesejável para os produtores, especialmente porque vem acompanhado pela queda na acidez, afirma Célie Ha, porta-voz do Conselho do Vinho de Bordeaux. A acidez dá o sabor frutado e garante que o vinho possa ser armazenado durante anos.

Para identificar variedades que melhor se adaptem aos climas quentes, o agrônomo Agnés Destrac-Irvine e seus colegas do Instituto Nacional Francês para a Agricultura, após um estudo que incluiu 52 variedades de outras regiões, chegaram a 4 novas espécies de tintos e 2 de brancos. Uma mudança drástica, numa área onde as autoridades franceses, tradicionalmente, só permitem o cultivo de 6 tipos de uvas para tintos e 8 para brancos, na região de Bordeaux.

Após o estudo, os produtores foram autorizados a experimentar as novas espécies, “desde que elas não representem mais de 10% do produto final. Uma delas é a uva Arinarnoa, que eleva o teor de acidez e os taninos. Outra é a portuguesa Touriga Nacional, que acentua os aromas perdidos pelo calor excessivo.

Mas, para os produtores de uma região que cultiva vinhos há mais de 2.000 anos, as mudanças causam preocupação e alguns deles ainda esperam que a natureza os ajude a evitar alterações que consideram drásticas.

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