Um dos principais focos de censura hoje são os livros infanto-juvenis que abordam sexualidade e racismo
Por Jonna Perrillo, do Washington Post
Com Julia Castello, de São Paulo
Engana-se quem pensa que, com avanço das democracias pelo mundo e o acesso facilitado na internet, tenha sido reduzida a sede ideológica pela proibição de determinados tipos de livros. Em 2021, um deputado estadual do Texas, nos Estados Unidos, Matt Krause virou alvo de polêmicas nas redes sociais e na imprensa após divulgar uma lista de mais de 800 livros que ele queria proibir. A maioria dessas obras apresentam personagens negras, LGBTQi+ ou ambas.
O problema não é novidade no Brasil. Em 2019, após visita à Bienal do Livro do Rio de Janeiro, o até então prefeito da cidade, Marcelo Crivella, mandou retirar de circulação o livro da Marvel Vingadores, “A Cruzada das Crianças”. Crivella considerou a obra inapropriada para crianças devido a história se tratar sobre o romance entre dois personagens homens. Em uma das páginas, Wiccano e Hulkling se beijam.
Apesar de a organização da Bienal ter se recusado a retirar a obra das prateleiras, no dia seguinte um grupo de fiscais da Secretaria Municipal de Ordem Pública recolheu vários livros com temas que tratavam de homossexualidade. Como se sabe, o ex-prefeito do Rio foi bispo e continuava ligado à Igreja Universal do Reino de Deus.
Do outro lado do espectro ideológico, também no Rio de Janeiro, no ano passado, o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), sancionou lei proibindo a comercialização, publicação, distribuição e circulação do livro “Minha Luta” (Mein Kampf, em alemão), de autoria de Adolf Hitler. A proibição também valeu para a circulação digital da obra. A decisão recebeu o elogios de partidos de esquerda e da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro.
Durante a Guerra Fria, o senador norte-americano, Joseph McCarthy, e aliados realizaram diversas campanhas de censura. Autoridades políticas e organizações conservadoras como as “Filhas da Revolução Americana” e a “Legião Americana”, retiraram livros considerados “subversivos” das prateleiras de bibliotecas e livrarias no final dos anos 1940 e início dos anos 1950. Entretanto, existem diferenças substanciais em estratégia e efeito da censura de livros daquele momento para a atualidade.
As proibições de publicações ao longo da década de 1950, nos Estados Unidos, geralmente se concentravam em livros didáticos adotados em massa. Livros didáticos, particularmente os que criticavam o capitalismo, a igualdade econômica, foram retirados das salas de aula e tiveram suas publicações interrompidas.
Após a expansão das campanhas pelos direitos civis na década de 1960, os censores afrouxaram seus padrões nos estados do norte dos Estados Unidos, quando se tratava de raça. Ainda assim, graças a poderosas comissões de livros didáticos e conselhos escolares, livros que questionavam a segregação permaneceram impossíveis de serem publicados no sul do país.
Entretanto, a atenção exagerada aos livros didáticos, criou um espaço no qual os escritores progressistas puderam prosperar, principalmente na literatura infanto-juvenil. O escritor Langston Hughes, por exemplo, que falava em suas poesias sobre equidade racial, racismo e empoderamento negro, teve obras proibidas e assim, removidas pelo Comitê de Atividades Antiamericanas da Câmara. Devido ao afrouxamento com a censura infanto-juvenil, ele escreveu biografias para este público contendo muitas das mesmas ideias.
A censura hoje ocorre de forma oposta àquele período. De acordo com o recente relatório ” Banned in the USA”, dos 1.145 títulos retirados das bibliotecas escolares ou salas de aula dos Estados Unidos de julho de 2021 a março de 2022, quase metade eram livros infanto-juvenis. Ao mesmo tempo, as vendas de literatura para jovens adultos LGBTQi+ aumentaram nos últimos dois anos.
No Brasil, a indústria editorial teve crescimento também nos livros para este público. O 6º Painel de Varejo do livro, feito pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros e a empresa Nielsen Bookscan, mostrou que em 2021 foram vendidos mais de cinco milhões de livros infanto-juvenis no primeiro semestre. A quantia representa um aumento de 42% em relação ao mesmo período de 2020.
Com a ausência de disciplinas no currículo escolar e de livros didáticos sobre sexualidade, os jovens, seja nos Estados Unidos ou no Brasil, buscam fora da sala de aula saciar a curiosidade e aprender sobre os temas nos livros infanto-juvenis. Por isso, não à toa, esse segmento de livros tem sido o foco dos censores da atualidade. Hoje, as proibições visam livros que os jovens querem ler, não textos que um professor lhes diz que devem.