Presidente do banco dos BRICS acredita que as condições externas serão favoráveis a países como o Brasil
De seu posto de observação em Xanghai, onde fica a sede do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), mais conhecido como banco do BRICS, ele tem uma visão privilegiada sobre os rumos da economia internacional. Presidente do NDB, o diplomata, economista e cientista político, Marcos Troyjo foi secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Brasil e representou o País em conselhos de instituições multilaterais de desenvolvimento. Presidiu a Comissão de Financiamento Externo do Brasil e o Comitê Nacional de Investimentos. Foi cofundador e diretor do BRICLab da Universidade Columbia, onde lecionou políticas públicas e relações internacionais. Dirigiu a Intelligent Tech & Trade Initiative, da Câmara de Comércio Internacional, e é membro do Conselho do Futuro Global, do Fórum Econômico Mundial.
Um dos principais negociadores do acordo Mercosul-União Europeia, é o primeiro brasileiro a chefiar um banco multilateral. Mestre e doutor em Sociologia das Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorado na Universidade de Columbia, lecionou em várias universidades e centros de pesquisa internacionais e é autor de livros sobre desenvolvimento, tecnologia e assuntos globais. Nesta entrevista exclusiva ao Planeta Cultura, ele analisa as diferenças entre a situação dos países ricos e dos emergentes e aponta as vantagens para esses últimos, entre os quais o Brasil. O BRICS, como se recorda, é a sigla para o grupo de países formados pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
– Com a pandemia do Covid dando sinais de que está arrefecendo, quais são as perspectivas para a economia mundial para os próximos meses e para 2023?
Troyjo – Teremos uma desaceleração significativa nos EUA e na Europa, onde a combinação entre inflação elevada, incertezas e subdesempenho leva à potencial recessão. Há, no entanto, crescimento robusto em alguns dos principais mercados emergentes. 2023, provavelmente, será mais um ano que gosto de chamar de “E7”, as sete maiores economias emergentes do mundo (China, Índia, Brasil, Indonésia, Rússia, México e Turquia), continuarão a aumentar sua participação relativa no PIB global em comparação com o “G7” (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, Itália e Canadá).
— Já é possível esperar uma virada nas previsões de recessão?
Troyjo – Muitos economistas relacionam a conjuntura presente com a estagflação da virada dos anos 1970/80. Ainda que tecnicamente tenhamos uma recessão nos EUA e na Europa, não creio que ela será tão severa como a que observamos na década de oitenta ou mesmo no período em torno da crise dos subprime, em 2007, ou da crise das economias da Europa mediterrânea, em 2011. Mesmo assim, a desaceleração nos EUA e Europa levará algum tempo para corrigir, em decorrência da grande expansão fiscal e da base monetária. Taxas de juros subirão e isso terá efeitos de contenção na atividade econômica. Paradoxalmente, o nível de desemprego, sobretudo nos EUA, continua relativamente baixo, o que demonstra as peculiaridades desse mundo pós-Covid. Quanto à China, as medidas restritivas em relação à Covid terão impactos pontuais na taxa de crescimento, em 2022, e em alguma medida em 2023. No entanto, dada a escala da economia chinesa, que hoje se aproxima de um PIB nominal de US$ 20 trilhões, ainda que o crescimento médio nos próximos dois anos se verifique em torno de 4%, a expansão chinesa será o principal fator de crescimento da economia mundial no período.
— Como o senhor vê a evolução dos BRICS?
Troyjo – O conceito de BRICS surgiu em 2001 como ideia associada ao desenho do futuro. Demografia, escala territorial e econômica, vetores de uma mudança no eixo da geoeconomia. Tal ideia de BRICS evoluiu para um processo de consultas, de cooperação e, nos temas em que os interesses convergiram, de parcerias. A cada ano, cerca de 150 diferentes reuniões de cooperação acontecem em áreas como saúde, combate ao terrorismo, ciência & tecnologia, meio ambiente etc. Num mundo em que há claramente um déficit de cooperação internacional, a plataforma BRICS é particularmente relevante.
— Como tem sido a experiência de presidir o NDB (Novo Banco de Desenvolvimento), conhecido como “Banco dos BRICS”?
Troyjo – É muito interessante interagir cotidianamente com as principais economias emergentes no financiamento de projetos de infraestrutura. Temos um foco importante no aprimoramento institucional. Reformulamos a estrutura organizacional do banco, criando uma área inteiramente dedicada ao tema ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e de Governança). Estabelecemos um time com especial ênfase na expansão de operações com o setor privado. Iniciamos também uma área de avaliação independente, com vistas a constantemente primar pela qualidade e pelo impacto positivo de desenvolvimento. Melhoramos a distribuição geográfica da aprovação de projetos. Quando assumi o banco, o Brasil tinha menos de R$ 6 bilhões em projetos aprovados. Agora, a carteira de projetos do país já soma R$ 30 bilhões. Demos a largada à expansão societária do banco com a admissão de novos membros, como Emirados Árabes Unidos, Bangladesh, Egito e Uruguai. Continuaremos esse processo de forma gradual e equilibrada.
— Como estão os projetos do NDB no Brasil?
Troyjo – O NDB marca presença em praticamente todos os setores da infraestrutura. Estados, municípios, empresas privadas, bancos regionais: todos são parceiros em potencial do NDB. Somos parte do financiamento do maior complexo de energia solar da América Latina, em Minas Gerais. Apoiamos projetos de logística no Pará. Temos projetos de mobilidade urbana no Paraná e em São Paulo. Financiamos usinas eólicas em Pernambuco, Piauí e Bahia.
— O senhor tem uma carreira que combina diplomacia, governo, setor privado e academia, inclusive com presença em algumas das principais universidades do mundo, como Columbia e Sorbonne. Como vê a lição de casa que o Brasil tem de realizar nos próximos 10 anos?
Troyjo – Há uma mudança estrutural no mundo, em que a principal fonte de crescimento serão as economias emergentes com grande contingente populacional. Quando o crescimento vigoroso se dá a partir de países com renda per capita comparativamente baixa, nesse espaço entre o momento atual e o futuro vê-se que a renda adicional é direcionada para o consumo de alimentos e à construção de infraestrutura. David Ricardo, um economista do século XIX, dizia que países tinham vantagens comparativas. Quais são as do Brasil? A produção de alimentos é uma delas. Portanto, esse tipo de cenário internacional que se descortina é muito favorável para o Brasil.
O Brasil pode se reconfortar nessas rendas adicionais que virão na forma de superávit comercial e não fazer as mudanças estruturais ou, pelo contrário, usar essa entrada de recursos para diversificar e agregar valor à sua economia, e aumentar o nível de investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação — o grande motor do aumento da produtividade. As condições externas são portanto promissoras para o Brasil. Isso se reflete em nosso comércio exterior. Em 2021, nossa corrente comercial, exportações e superávit da balança estabeleceram recordes históricos— que provavelmente serão superados em 2022.
Num cenário em que países com grande população vão crescer muito, o Brasil tem tudo para acumular sucessivos superávits comerciais ao longo do tempo. Isso ajudará o País a ter os recursos necessários para investimentos em capacitação e requalificação da seus talentos humanos que viabilizem sua neo-industrialização. Além disso, Brasil está em rota para consolidar-se como um dos cinco maiores destinos de investimento estrangeiro direto. No caso do Brasil, as potencialidades serão sempre mais fortes e atraentes do que as oscilações naturais dos ciclos eleitorais.