País tem centenas de milhões de consumidores de renda média e alta e esse número só tende a aumentar
The New York Times
Há cerca de um ano, Xangai – a capital chinesa da moda e do luxo – enfrentava um lockdown severo devido à covid. Os shopping centers de alto padrão da cidade e as avenidas repletas de lojas famosas ficaram praticamente vazios.
Hoje, a história é diferente. Em um fim de semana recente de Abril, multidões lotaram os principais endereços de varejo na Rua Nanjing e em seus arredores, o centro do glamour na China desde que as primeiras grandes lojas de departamento do país começaram a abrir ali em 1917.
“Estou gastando de maneira mais extravagante”, disse Sunny Zhang, de 24 anos, enquanto esperava na fila para entrar na loja Chanel no shopping Plaza 66, onde há muitas lojas que vendem algumas das roupas mais caras do mundo. Zhang, que trabalha para uma empresa de consultoria, costumava comprar seis bolsas por ano. Agora, compra até cinco bolsas por mês. “Troco minha bolsa todo dia. Durante o lockdown de Xangai, achei que nada fazia sentido e que devemos aproveitar o momento presente.”
Muitas marcas ocidentais de moda e luxo têm colhido os benefícios dessa nova mentalidade do consumidor. Em abril, a LVMH – a maior empresa de artigos de luxo do mundo em vendas e dona de marcas como a Louis Vuitton, a Tiffany e a Dior – registrou um aumento de 17% na receita do primeiro trimestre em relação ao ano anterior. A moda e os artigos de couro – a maior divisão da empresa francesa – subiram 18%, impulsionados em grande parte pela recuperação na China.
Em Abril, as ações da LVMH atingiram um recorde e ela se tornou a primeira empresa europeia a ultrapassar US$ 500 bilhões em valor de mercado. A Hermès, sua rival francesa, anunciou que as vendas na Ásia (excluindo o Japão) aumentaram 23% no primeiro trimestre, “alavancadas por um Ano-Novo Chinês muito bom”.
E a Brunello Cucinelli, fornecedora de blazers de US$ 4 mil (cerca de 20 mil reais) e da tendência de “luxo silencioso”, registrou um aumento de 56% nas vendas do primeiro trimestre. Luca Lisandroni, copresidente executivo da marca italiana, classificou 2023 como “um ano de ouro” para o mercado chinês.
O luxo, em primeiro lugar
Os gastos de luxo na China estão se recuperando ainda mais rapidamente do que a economia geral do país. As vendas no varejo de joias, ouro e prata dispararam 37,4% em Março, em relação ao ano anterior, cerca de três vezes mais depressa que a recuperação nas vendas gerais no varejo, de acordo com o Escritório Nacional de Estatísticas da China. Foi de longe o maior mês de Março já registrado para as vendas de joias no país; na verdade, março foi o segundo mês recordista de vendas do setor fora da temporada de presentes antes do Ano-Novo Chinês.
“Esperamos que a China seja o principal motor de crescimento da indústria de luxo este ano, sobretudo por causa de uma ligeira desaceleração em outros mercados principais, como os EUA e a Coreia”, afirmou Edouard Aubin, analista de ações do Morgan Stanley, em uma teleconferência recente, acrescentando que grandes marcas “no topo da pirâmide de preços” com valor de símbolo de status como Chanel, Hermès e Louis Vuitton estão superando rivais. Entre estas, estão a Gucci e a Burberry, duas marcas que recentemente tiveram uma mudança de estilista no comando. “Grande parte do gasto inicial que impulsiona a recuperação tem, por enquanto, menos a ver com a classe média da China e mais com o fato de que as pessoas ricas estão gastando mais”, explicou Aubin, observando que espera que haja um ressurgimento nos gastos da classe média ainda este ano.
Durante mais de uma década, a China, com mais de 200 milhões de consumidores de alto poder aquisitivo (1,4 bilhão de habitantes), impulsionou o mercado de luxo ocidental, contribuindo com até um terço da receita do mercado. Dois terços desses gastos foram efetuados fora da China continental, quando turistas chineses visitavam Hong Kong, Tóquio, Paris e outros lugares para evitar as pesadas tarifas de importação e os impostos sobre o consumo de seu país.
Mas em seguida veio 2020, o pior ano já registrado para o setor, quando a China fechou suas fronteiras em resposta à pandemia. Agora, depois de três anos dependendo em grande parte das compras on-line, muitos consumidores chineses exultam em poder tocar em tecidos, experimentar bolsas e óculos de sol e simplesmente ter a companhia de outras pessoas.
No bairro de Zhang Yuan, onde edifícios fortemente restaurados têm molduras de madeira polida e elegantes colunas de pedra, uma multidão se reuniu e esperou em frente à loja da Dior para observar celebridades. Não precisou aguardar muito: a cantora taiwanesa Annie Yi saiu da loja acompanhada de uma jovem que carregava uma bolsa Dior branca, grande o suficiente para transportar uma televisão de tela plana.
Zoe Zhou, que estava na loja Dior à procura de uma bolsa igual à de uma integrante da banda de K-pop Blackpink, disse ter visto um frenesi na compra de produtos de luxo em Nanjing, sua cidade natal, com as pessoas fazendo fila na frente das lojas em shoppings do centro da cidade. “Agora que as restrições foram suspensas, tem muita gente comprando bolsas”, comentou Zhou, que ficou decepcionada porque a bolsa que ela queria estava esgotada. “Você pode ir ao exterior também. A diferença de preço entre os países locais e os estrangeiros é muito grande.”
Muitas marcas de luxo aumentaram os preços nos últimos meses, principalmente na China. Mas viajar para fora do país continua sendo muito mais difícil do que era antes da pandemia. As tarifas aéreas estão mais caras e houve uma redução significativa do número de voos para o exterior. Como parte de uma campanha de segurança nacional, o governo chinês dificultou a obtenção ou a renovação do passaporte.
“A recuperação doméstica pode estar bem encaminhada, mas as viagens internacionais ainda estão longe dos níveis pré-covid. Não acreditamos que, em breve, apareça a mesma quantidade de turistas chineses que antes vinha à Europa”, declarou Thomas Chauvet, chefe de pesquisa de bens de luxo do Citi, acrescentando que destinos de curta distância como Hong Kong, Macau e possivelmente o Japão, dada a queda do iene japonês, podem ver o retorno dos gastos chineses mais cedo.
Claudia D’Arpizio, sócia sênior da consultoria Bain, estimou que a população de consumidores de renda média e alta na China continental dobrará para 500 milhões até 2030. “Até lá, o país vai responder por cerca de 40 por cento das compras globais de luxo.