Com muita coragem e disfarces engenhosos, perseguidos pelo regime conseguem escapar para outros países
RIGA, Letônia – Quando finalmente entrou em território da União Europeia, Olesya Krivtsova, uma pacifista de 20 anos, rotulada como “terrorista” pelas autoridades russas por se opor à guerra na Ucrânia, chorou. E, depois de vários dias, conseguiu respirar aliviada.
Krivtsova fugiu de seu apartamento na cidade de Arkhangelsk, no norte do país, no início deste mês, disfarçada de pedinte, sem-teto. Trocou de carro três vezes, cruzou um ponto de fronteira oficial e anunciou, em vídeo, sua chegada segura, na Lituânia.
Durante a gravação do vídeo, ela soltou a pulseira eletrônica colocada pelo Serviço Penitenciário Federal da Rússia quando foi colocada em prisão domiciliar e jogou fora com um ar de alívio. Então sorriu alegremente, segurando uma pequena placa: “Liberdade”.
Sua fuga foi uma das muitas de políticos da oposição russa, ativistas ou simplesmente de russos comuns que se opõem ao regime de Vladimir Putin e à guerra. Muitos deles foram presos, acusados de “terrorismo” por terem se manifestado contra a guerra. Outros foram colocados sob prisão domiciliar enquanto aguardam julgamento.
Esse artigo traz um relato da fuga de Krivtsova, mas nem todos os detalhes serão revelados, para proteção de outros russos que queiram abandonar o país, para escapar das perseguições.
Como eles fazem isso?
É preciso muita coragem, disfarces engenhosos e táticas evasivas, pois as pulseiras eletrônicas disparam um alarme policial se forem removidas ou se o acusado sair de casa. O principal truque é explorar as fragilidades do sistema.
Na maioria dos casos, não há vigilância em frente às casas dos detidos. Embora as pulseiras eletrônicas alertem a polícia se uma pessoa sai de casa ou a remove, eles não têm rastreadores GPS. Assim que o alerta é acionado, é uma corrida para sair da área rapidamente, antes que a polícia responda ao alarme.
Entre as dicas para quem pretende fugir, aqueles que conseguiram dizem que o “timing” é essencial. O melhor horário fica entre a noite de sexta-feira e a madrugada de sábado, quando a vigilância policial diminui. É preciso agir rápido, escolher estradas secundárias, mudar de carro várias vezes. Deixar o celular em casa ou trocar de chip, para evitar o rastreamento pelo sistema da empresa de telefonia. Agora, o mais importante: é fundamental contar com a proteção e a orientação de grupos de defesa dos direitos humanos, dinheiro e visto para entrar em algum país seguro.
No meio da noite, o desespero
Marina Ovsyannikova, a produtora da televisão estatal famosa por entrar em um noticiário ao vivo com um cartaz que dizia “Não à guerra”, enfrentou um desafio maior porque seu ex-marido estava negando seu acesso à filha de 11 anos e ao filho de 17. O filho queria morar com o pai, mas ela se recusou a sair sem a filha.
A menina acabou baixando um aplicativo de táxi e foi de carro até o apartamento de Ovsyannikova. Elas fugiram numa noite de sexta-feira, vestindo calças largas com chapéus puxados sobre o rosto. Elas não imaginavam que estavam iniciando uma jornada de suspense e desespero.
Atravessar um ponto oficial de fronteira era impossível porque ela era conhecida e sua filha não tinha passaporte. A viagem, em sete carros, durou dias. Perto da fronteira, tarde da noite, o sétimo carro atolou na lama. Ovsyannikova, sua filha e um guia tiveram que sair e caminhar cerca de dez quilômetros. Houve um momento em que ela pensou em desistir, mas foi estimulada pela filha a continuar.
Ovsyannikova disse que fugiu por causa da “injustiça total. Eu me senti como uma prisioneira política”. Removendo a pulseira em vídeo, ela disse: “Caro Sistema Penitenciário Federal. Coloque esta pulseira em Putin. Ele, não eu, deveria ser isolado da sociedade e deveria ser julgado pelo genocídio do povo da Ucrânia e pela destruição em massa da população masculina da Rússia”.