Quando renunciou, dez anos atrás, a Igreja Católica vivia crise de denúncias que ele se disse sem saúde para enfrentar
O papa emérito Bento XVI morreu em sua residência no Vaticano, aos 95 anos, quase uma década depois de ter se afastado devido a problemas de saúde. Ele liderou a Igreja Católica por menos de oito anos até que, em 2013, se tornou o primeiro Papa a renunciar desde Gregório XII em 1415.
O Vaticano informou em um comunicado neste dia 31, pela manhã: “Com pesar, informamos que o Papa Emérito, Bento XVI, faleceu hoje às 9h34 no mosteiro Mater Ecclesiae no Vaticano. Mais informações serão fornecidas assim que possível.”
Bento XVI com Francisco, alguns anos após renunciar: morte pela manhã (Foto: AP)
O Vaticano disse que o corpo do Papa Emérito será colocado na Basílica de São Pedro a partir de 2 de janeiro para “a saudação dos fiéis”. Os planos para o funeral do Papa Bento XVI serão anunciados nas próximas horas, informou o Vaticano.
O momento que transformou o legado do Papa Emérito Bento XVI — e talvez sua igreja — passou tão silenciosamente que acabou quase esquecido.
O pontífice encerrava uma cerimônia de rotina com os cardeais do Vaticano em 11 de fevereiro de 2013, quando pronunciou, em latim, que havia tomado “uma decisão de grande importância para a vida da Igreja”.
O teólogo de cabelos brancos, nascido na Alemanha, então com 85 anos, disse ter “examinado repetidamente minha consciência diante de Deus” e concluiu que o mundo moderno, “sujeito a tantas mudanças rápidas e abalado por questões de profunda relevância para a vida de fé ”, exigia um papa em melhor condição física e intelectual. “Minhas forças, devido à idade avançada, não são mais adequadas” ao papado, disse ele.
Muitos dos presentes na reunião não entendiam latim. Olhares confusos foram trocados até que o significado do que Bento havia pronunciado se infiltrasse. Para Angelo Sodano, decano dos cardeais, as palavras de Bento foram como “um raio em um céu azul claro”. Um repórter habituado a cobrir o Vaticano começou a chorar na sala.
A primeira renúncia do líder espiritual da Igreja Católica em quase 600 anos cristalizaria todo o peso da crise que então assolava a maior denominação cristã do mundo. Considerado um intelectual e homem de convicção moral que passou a vida inteira defendendo a fé de forças externas, Bento XVI acabaria vendo seu mandato como papa desfeito em grande parte por uma podridão interna.
No entanto, um desafio, que surgiu pela primeira vez sob seu antecessor, João Paulo II, se elevou acima de todos os outros: as revelações contínuas de abuso sexual desenfreado por padres católicos e os esforços de décadas da hierarquia da igreja para encobri-los.
Com sua renúncia, Bento, uma figura apelidada de “Rottweiler de Deus” por sua proteção feroz do dogma da igreja, aparentemente admitiu suas próprias limitações humanas e sua incapacidade de administrar uma igreja diante de crises existenciais.
Sua decisão de deixar o cargo desmistificaria um cargo traduzido frequentemente como de autoridade transcendental. “O rosto da Igreja hoje está desfigurado”, diria Bento XVI em sua homilia final como papa. “Penso em particular nos pecados contra a unidade da Igreja, nas divisões no corpo da Igreja”.
Depois de ser por décadas o guardião da ortodoxia do Vaticano e uma barricada contra a mudança — primeiro como chefe de seu escritório doutrinário, depois como pontífice — Bento XVI encerrou sua carreira quase como revolucionário.