Ronaldo chama de invejosos e covardes políticos, jornalistas e ex-jogadores que festejaram lesão do ídolo da seleção
Superadas as eleições presidenciais mais nervosas e polarizadas da história recente da democracia brasileira, a contusão do principal jogador da seleção nacional na primeira partida da Copa do Catar deu mostras de que a agressividade ideológica se mantém acesa e não poupa nem o principal ídolo esportivo do país na atualidade.
Neymar publicou em suas redes sociais uma mensagem na tarde na sexta-feira contendo desabafo, profissão de fé e pitada de resposta a críticos e adversários, que escancararam satisfação, tanto ao vê-lo sair de campo machucado na partida de estreia, como no dia seguinte, quando foi confirmada a gravidade da contusão no pé e sua ausência por pelo menos dois jogos.
O fenômeno da mistura de política e esporte não é inédito no Brasil. Para citar apenas o futebol, nos anos 30 e 40 o craque daquele momento, Leônidas da Silva, apoiou o ditador Getúlio Vargas e, na Copa de 70, Dario foi tido como centroavante convocado a mando da ditadura militar. Mas em nenhum dos casos houve tão forte exposição de ira por opositores como agora.
Entre os que externaram satisfação ao ver o jogador machucado está a própria presidente do PT, Gleisi Hoffman, que assistiu ao jogo contra a Sérvia com apoiadores do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, na sede do governo de transição, em Brasília. Ao final do primeiro tempo, provocada por jornalistas a dizer o que havia achado de Neymar em campo, ela respondeu: “Nem vi ele Jogar”. E quando ele deixou o campo mancando, alinhavou: “Já foi tarde”.
No mesmo ambiente, o senador Randolfe Rodrigues (Rede – AP), perguntado também a respeito do desempenho do atacante, disse que “desde que passou a apoiar Bolsonaro, nunca mais foi o mesmo”.
Na mensagem publicada nas redes sociais assim que a notícia da gravidade de sua contusão foi divulgada pelos médicos, Neymar escreveu: “O orgulho e o amor que sinto de vestir a camisa não têm explicação. (…) sempre tive que correr atrás dos meus sonhos (…). Jamais desejando o mal de alguém e sim ajudando quem precisava. [Vivo hoje] um dos momentos mais difíceis da minha vida (…) tenho lesão sim, é chata, vai doer, mas tenho certeza de que vou ter a chance de voltar porque eu farei o possível pra ajudar meu país (…) Muito tempo de espera para me derrubar assim¿ Jamais. (…) Minha fé é interminável”.
Outras vozes importantes e conhecidas da esquerda, como o ex-jogador Casagrande, também demonstraram satisfação após a contusão do atacante. “O futebol fraco que Neymar (…), com muitos erros de passe, sem velocidade e muito distante do ritmo de jogo dos outros jogadores. Ele pode ser importante nesta Copa, mas aceitando que o protagonismo mudou de pés”, se referindo a popularidade instantânea obtida por Richarlison, depois dos dois gols que fez no segundo tempo.
Juca Kfouri, também colunista esportivo e histórico apoiador do PT, escreveu que “sem Neymar, molecada da seleção vai se sentir mais leve e feliz”, explicando que o jogador já tem carreira longa na seleção e não deixou até agora “nenhum legado”.
Milly Lacombe, outra comentarista conhecida, hoje no UOL, publicou logo após a partida artigo saudando a aparição de um ídolo que ela considera ideologicamente adequado para ser símbolo do Brasil no Catar: “Numa seleção inundada de apoiadores da extrema-direita brasileira e de alienados políticos, a esquerda busca há anos um ídolo para chamar de seu. E eis que Richarlison se apresenta com pompas. Embora tenha posado sorridente ao lado do presidente de tendências nazifascistas recentemente demitido, o centroavante é o único que ousa se posicionar em nome de causas sociais”.
Nas redes sociais, a exaltação de suposta rivalidade entre Richarlison e Neymar também foi clara, definindo o primeiro como “o bom”, da esquerda, e o segundo, como “o mau”, da direita. Chegou-se a usar a imagem da puxeta no ar, no segundo gol, para aventar que a acrobacia formava magicamente o “L” de Lula. Além de comemorações explícitas pela contusão de Neymar e expressões de desejo para que ele não jogasse mais nesta Copa.
Companheiro de seleção do atacante, Raphinha publicou post em suas redes sociais criticando o tratamento da torcida ao jogador. “Torcedores da Argentina falam do Messi como um Deus. Os de Portugal, tratam Cristiano Ronaldo como um rei. Torcedores do Brasil torcem para o Neymar quebrar a perna”.
Em seguida, Raphinha escreve: “Como é triste, o maior erro da carreira do Neymar é nascer brasileiro, esse país não merece o seu talento e o seu futebol”.
Em seu programa no UOL, Casagrande, talvez o maior desafeto de Neymar entre comentaristas esportivos, desde os tempos de TV Globo, repreendeu Raphinha nervosamente. Disse que o jogador “precisa conhecer melhor a história de luta e sofrimento do povo brasileiro” e reclamou que o jogador do Barcelona também jogou mal contra a Sérvia e perdeu boas chances de gol. E, em tom professoral, sentenciou: “Ele não conhece o Brasil. Temos 35 milhões de pessoas passando fome, nós não merecemos quem fez isso”.
Neste domingo, o ex-centroavante Ronaldo fez carta aberta nas redes sociais em defesa de Neymar. “Estou certo de que a maioria dos brasileiros como eu te admira e te ama. Seu talento, aliás, te levou tão longe, tão alto(…). E é também por isso, por ter chegado onde chegou, pelo sucesso que alcançou, que tem que lidar com tanta inveja e maldade. Num nível de comemorarem a lesão de uma estrela como você. (…) Que mundo é esse? Que mensagem estamos passando para nossos jovens? (…) É triste ver a sociedade num caminho de banalização da intolerância, de normalização dos discursos de ódio. (…) O bem que você faz dentro e fora de campo é muito maior do que a inveja na sua direção. A torcida de verdade – a que torce a favor – precisa de seus gols, dribles, ousadia e alegria. Não exalte os covardes e invejosos. (…) E que todo ódio vire combustível [a você]”.
Outra defesa pública partiu do ex-jogador Neto, crítico habitual de Neymar . “Sem ele a gente não ganha a Copa. Não é justo o que estão fazendo com o Neymar. É uma sacanagem o Casagrande dizer que o Neymar não jogou nada [contra a Sérvia]. Uma injustiça de vocês todos que estão analisando o futebol por causa de política (…) Comemorar que ele se machuque é uma falta de humanidade”.
Casagrande, citado por Neto, é reconhecidamente apoiador de Lula e chegou a ser convidado para participar do “governo de transição”, mas não aceitou alegando incompatibilidade com a independência que ele acredita necessária a sua atual função de comentarista esportivo.