COMPORTAMENTO

Cuidado! Os games podem pôr o seu trabalho e a sua vida em jogo

Atratividade dos jogos virtuais tem sido usada para melhorar desempenho no emprego e na propagação de notícias falsas

Por: Júlia Castello
Da redação | 22 de setembro de 2022 - 12:12

Os videogames, sejam eles em computadores, celular e consoles já fazem parte do ramo de entretenimento do mundo. A categoria é tão importante que movimentou só no ano de 2021 mais de 175 bilhões de dólares da economia global e tem previsão de ultrapassar 200 bilhões de dólares em 2023. Apenas no Brasil, estudo da Data Stories mostrou que 67% dos brasileiros jogam videogame, sendo que 42% o fazem todos os dias da semana.

Entretanto, as estratégias do videogame, de intrigar os usuários seja pela história, pelos desafios e recompensas conquistadas, tem sido utilizadas em outras esferas da sociedade. O mundo vive atualmente o fenômeno da “gamificação”. Pelo menos é o que defende o designer de jogos e autor do novo livro “You’ve Been Played”, Adrian Hon.

O termo “gamificação” é um termo adaptado do inglês, “gamification”, que define o emprego de técnicas comuns aos videogames para fora destas plataformas, em contextos da vida real. Como por exemplo, a criação de missões, pontos, recompensas no jogo, um perfil ou avatar. O autor explica que o objetivo de “gamificar” é tornar determinada atividade mais envolvente e agradável.

Brasil é um dos países do mundo com mais usuários de videogames (Foto: FreePik)

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Hon estuda e detalha em seu novo livro as semelhanças entre jogos e teorias da conspiração contemporâneas, além de estratégias do próprio mercado de trabalho para que seus empregados trabalhem mais. O autor começa a explicar os “Jogos de Realidade Alternativa”, denominados “ARG”, que não se limitam apenas à história de ficção jogada.

Os participantes fazem parte de fóruns que podem ser criados pelos próprios desenvolvedores do game ou uma comunidade realizada pelos próprios participantes.

Lá eles podem não apenas trocar mensagens com personagens fictícios, interpretados por atores, como trocar teorias, dicas de como ultrapassar um desafio, até programações que podem ser baixadas para adicionar ou melhorar a qualidade dos jogos.

Teorias da conspiração e propagação de fake news

O autor que, em 2006, foi produtor e designer-chefe de um dos Jogos de Realidade Alternativa mais populares do mundo, Perplex City, explica que os grupos que criam e propagam teorias de conspiração possuem ferramentas muito semelhantes aos destes jogos.

Em um momento em que se vive em hiperestímulos cotidianamente, um excesso de informação, é natural que as pessoas se juntem em comunidades para comentar, compartilhar aquilo que acham divertido e envolvente. O problema é que muitas destas informações são notícias falsas e mais do que isto, teorias conspiratórias que tem causado danos inclusive às democracias, como expõe o autor Steven Levitsky, “Como as democracias morrem”.

Dessa forma, pessoas em posições dominantes na sociedade se aproveitam deste movimento natural dos seres humanos de compartilhar informações, principalmente as curiosas e excitantes, e criam mecanismos que sustentam interesse e ação, não de milhões, mas bilhões de pessoas todos os dias, nas mídias sociais. Para Hon vivemos em um mundo que “cada vez mais parece um jogo que não podemos parar de jogar”.
Jogos para medir desempenho trabalho

Pelo telefone: empresas usam games com avatares de funcionários em disputa pelo melhor desempenho (Foto: FreePik)

Para além das teorias e notícias falsas, o mercado hoje também criou formas de “gamificação” do trabalho. A Amazon é um exemplo, segundo o autor, que utiliza experiências de jogos para incentivar seus funcionários. Corridas de dragões, representando cada trabalhador, são decididas pelos volumes de trabalho de cada funcionário, por exemplo.

Outra empresa que também utiliza destas mesmas estratégias é a Uber. A empresa de aplicativo de transporte oferece “missões”, também conhecidas como “oportunidades”, a seus usuários para que possam “atingir determinados objetivos de viagem em um certo período de tempo”.

Com a justificativa de criar um ambiente “mais leve” e até “descontraído” para o funcionário, o que realmente acontece é a utilização destes “jogos” no ambiente de trabalho para que os empregados trabalhem mais, mais rápido e por mais tempo. Segundo Hon, representa, na melhor das hipóteses, uma distração temporária e, na pior das hipóteses, uma forma não muito sutil de vigilância e coerção.

Além disso, Hon deixa claro no seu livro como estas atuais estratégias do mercado de trabalho têm incentivado o aumento e alcance de plataformas e grupos interessados em propagar “teorias conspiratórias”.

Ele defende que quanto mais o trabalho da pessoa se assemelhar a um jogo sobre o qual não há alternativa a não ser jogar, maior será a probabilidade dessa mesma pessoa buscar significado em comunidades que apresentem manipulações ocultas por trás da opinião pública.

Hon cita como exemplo o movimento de extrema-direita “QAnon” que divulga teorias conspiratórias de políticos, celebridades e da própria imprensa. Uma pesquisa de março de 2021, mostrou que até 15% dos norte-americanos concordam com as informações falsas desta comunidade.

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