POLÍTICA

O que o Ocidente deve aprender com os protestos no Irã

Manifestações em todo o país pedem justiça pela morte da jovem assassinada porque não usava o véu corretamente

Da redação | 26 de setembro de 2022 - 15:09
Karim Sadjadpour,
Do Wahshington Post

O assassinato brutal de Mahsa Amini, de 22 anos, que teria sido brutalmente espancada pela polícia iraniana depois de ser detida, “por mostrar muito cabelo”, desencadeou protestos em todo o país.  É prematuro avaliar se esses protestos mudarão significativamente a política do Irã, ou se eles são simplesmente mais uma rachadura no edifício de um regime apodrecido, cuja única fonte de diversidade é se as barbas e turbantes de seus governantes são negros ou brancos.

No entanto, uma conclusão já pode ser tirada: o assassinato de Amini e a resposta da sociedade iraniana a ele devem alterar permanentemente a forma como o mundo exterior interage com as autoridades iranianas. E essa mudança de consciência também deve incluir uma reavaliação fundamental de sua própria política para o Irã pelo governo Biden.

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Manifestantes carregam cartazes com foto de Mahsa Amini e frases de protesto. (Foto: Reprodução/Twitter)

O caso de Amini não foi isolado. De acordo com grupos de direitos humanos, todos os anos milhões de mulheres são detidas e assediadas no Irã por “hijab impróprio”, e várias mulheres iranianas estão cumprindo penas de prisão de mais de dez anos por se recusarem a usar o véu.

Esse sistema de violência institucionalizada tem pouco a ver com as supostas tradições religiosas iranianas; normas culturais autênticas não precisam ser impostas pelas ameaças de um estado policial. O hijab obrigatório é um dos três pilares ideológicos restantes da teocracia do Irã, junto com “Morte à América” ​​e “Morte a Israel”.

Isso ajuda a explicar por que o regime é tão relutante em adotar uma linha branda na questão dos códigos de vestimenta. O líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, acredita claramente que comprometer os pilares ideológicos do regime, incluindo o hijab, apenas acelerará seu colapso.

“Se queremos evitar que nossa sociedade seja mergulhada na corrupção e na turbulência”, disse Khamenei, “devemos manter as mulheres em hijab”. É um produto da mesma mentalidade que culpa as mulheres vítimas de agressão sexual por se vestirem com roupas curtas. Tais visões antiquadas não merecem deferência, sejam defendidas pelo Texas, Tóquio ou Teerã.

Na semana da morte de Amini, o correspondente da CBS News, Lesley Stahl, entrevistou o presidente linha-dura Ebrahim Raisi, que previsivelmente levantou dúvidas sobre o Holocausto e negou seu papel bem documentado como juiz que condenou milhares de dissidentes à morte no verão de 1988. Stahl usou um lenço na cabeça durante toda a entrevista e admitiu: “Disseram-me como me vestir, não sentar antes dele e não interrompê-lo”. Essas regras antiquadas de engajamento não devem mais ser aceitáveis.

Na quinta-feira, Christiane Amanpour, da CNN, conseguiu uma entrevista com Raisi em Nova York, mas quando ela se recusou a usar o hijab, ele não apareceu. Esta era a resposta correta, agora outros devem seguir o exemplo. A história provou que o Irã só faz concessões quando confrontado com uma frente internacional unificada. Governos estrangeiros, agências internacionais de notícias e organizações não governamentais devem deixar de legitimar a discriminação de gênero da república islâmica.

Embora Teerã tenha ocasionalmente se curvado à pressão externa, ao longo de seus 43 anos de história a única resposta da república islâmica às crises internas foi dobrar a repressão. É essa brutalidade que tem sustentado o governo. Mas há fraturas crescentes na fundação, em um momento em que o país está se preparando para uma potencial transição de liderança devido à saúde incerta de Khamenei, de 83 anos.

Embora as forças de segurança da república islâmica possam parecer no controle no momento, há muito mais sinais de fragilidade do regime no Irã hoje do que havia no Egito e na Tunísia em dezembro de 2010, semanas antes de seus governos serem derrubados.

As mulheres são as principais vítimas de repressão no Irã. (Foto: Ying Tang/NurPhoto)

A agitação desencadeada pelo assassinato de Amini deve levar o governo Biden a reavaliar sua estratégia com o Irã. Até agora, o único foco da política dos Estados Unidos em relação ao Irã tem sido uma tentativa infrutífera de reviver o acordo nuclear de 2015 do qual o presidente Donald Trump saiu em 2018. Isso é míope.

Enquanto os líderes da república islâmica – cuja identidade se baseia na oposição aos Estados Unidos, governarem o Irã, Washington nunca será capaz de chegar a um acordo com Teerã. Em vez de responder aos sintomas da ideologia do Irã, Washington, e o Ocidente, devem se concentrar em sua causa raiz, o próprio regime.

O advento de um governo iraniano representativo que coloca os interesses nacionais do país antes de sua ideologia revolucionária pode ser um divisor de águas geopolítico para os Estados Unidos. Teerã tem enorme influência em quatro capitais árabes como Damasco, Beirute, Bagdá e Sanaa.

Além disso,  forneceu ajuda financeira e militar a ditaduras antiamericanas em Caracas e Pyongyang. O governo russo começou a usar drones kamikaze iranianos contra a Ucrânia. O Irã tem fornecido armamento para a África. Em praticamente todas as guerras frias ou quentes do mundo hoje, Teerã se alinha contra os Estados Unidos.

Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos negociaram acordos de controle de armas com a União Soviética, mesmo denunciando o “império do mal” e implorando ao líder soviético Mikhail Gorbachev que “derrubasse este muro”. É hora de o governo Biden ampliar sua estratégia para o Irã não apenas para se concentrar em combater as aspirações destrutivas do regime iraniano, mas também para defender as aspirações do povo iraniano de viver em uma sociedade livre e em paz com o mundo.

A transição do Irã da teocracia para a democracia pode não ser fácil, pacífica ou em breve. Mas é a chave mais importante para transformar o Oriente Médio.

*Karim Sadjadpour é membro sênior do Carnegie Endowment for International Peace.

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